Entrevista Antônio Cesari

De Sala Virtual Brusque
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  • Dados do projeto

Nome do projeto: Bairro & Memória: Etapa Bairro São João

Coordenador do projeto: Marlus Niebuhr

Instituição patrocinadora: FEBE (Unifebe)

Entrevistadoras e transcrição: Professoras da Escola Municipal Adelina Zirke

Data da Entrevista: 23 de Novembro de 1998.

  • Dados do entrevistado

Nome completo: Antônio Cesari - 78 anos

Sobre a vida do Sr. Antônio Cesari

Eu vou começar pela família de meu pai, que era da Bela Vista. Minha mãe ficou doente e não deu mais jeito de controlar a doença e ela morreu. Eu tinha poucos dias. Ela morreu de uma recaída de resguardo. Então, na Bela Vista morava uma família bem arrumada, o falecido Sr. Felício Avancini que era dono de um engenho de serra, um homem muito bem de vida. Daí como éramos cinco irmãos sem mãe, foi que esta família me adotou por eu ser o mais novo. Três foram embora com as irmãs e o mais velho ficou sozinho e se virou pelo mundo. Então, fiquei morando com eles na Bela Vista dois anos, depois fomos embora pra Botuverá. O meu pai de criação era muito bom para mim.

Sobre a Escola

Muito difícil quase ninguém ia para a escola porque era muito longe. Os rapazes ficavam grandões [risos]. Então se resolveu arranjar um professor de perto, o Sr. Venceslau Rampeloti. Naquela época não se exigia nada do professor. Então, no primeiro ano ele só falava em italiano. Se fosse como agora, já podia aprender mais línguas castelhano, inglês.... Eu aprendia fácil, mas foi um ano perdido porque depois precisei me mudar para outra escola mais pra cima. Fazia oito quilômetros por dia. A pé, no frio, sem lanche. Naquela época o calçado era só para depois da comunhão. Lá eu gostei porque aprendi muitas coisas, dois anos ficaram lá em cima, hoje sei ler e escrever. Quando saí sabia fazer as quatro operações aritméticas: contas de multiplicar, dividir, somar e diminuir. Só não tinha ensinado as frações. Naquela escola tinha mais ou menos 100 alunos e ficava bem perto da igreja São José.

Sobre a Infância

Cheguei a brincar de tudo, mas como os outros não sabiam fazer as coisas então era tudo em cima de mim. Fazia brinquedos, qualquer coisa. O meu pai de criação trabalhava uns oito dias em casa e depois ele ia para Tijucas. Trabalhava na madeira, engenho de serra. Então eu fazia o que queria. Tinha mais ou menos uns 15 anos, era um menino baixinho, porque meus pais eram de família pequena. Nosso vizinho, Sr. Modesto, tinha um filho marmanjão, ele era muito pior do que eu e seu pai não tinha confiança nele. Então eu ficava sendo o responsável por ele. Como tínhamos um rio perto de casa, houve a necessidade de fazer uma canoa. Como a bananeira é uma planta mais fácil de manusear, então fizemos uma balsa da seguinte forma: cortávamos o talo da planta, encostava um no outro, depois enfiava um bambu para ficar firme. Esta balsa nós chamava de satélite [risos]. Então, atravessávamos o rio desta forma. Depois, outras vezes as brincadeiras eram de carriolas, carrinhos e correr nos pastos. No pasto alto fazíamos uma zorra, subíamos em cima para depois descer morro abaixo. Logo peguei um pouquinho mais de idade e começamos a brincar com espingardas, que quando me lembro de uma coisa tão perigosa, que podia machucar alguém, só que esta brincadeira era mais para saber manusear esta arma. Meu pai de criação não se importava com esse tipo de brincadeiras e nem quando eu pegava o prego, a madeira e o martelo, tinha consideração porque na sua infância também aprontava as deles.

Sobre festas

Casamento:

Começava de manhã. Tinha mais dois casamentos além do meu. Um deste está em Botuverá e o outro é um Martinengui, não sei se está ainda lá naquela encruzilhada de quem vai para a Guabiruba. Casamos no dia 20 de setembro de... [não lembrava o ano], porém a data não era esta, a data prevista era no dia seis de setembro do corrente ano, mas aconteceu um imprevisto com a noiva [Dona Isabel], ela se pisou na roça. Colocou em estepe no pé, no qual não podia mais andar. Daí o casamento foi cancelado, tudo estava arrumado e se perdeu. Mas 14 dias após Dona Isabel recuperou-se muito bem e então realizamos esse dia tão esperado.

A cerimônia matrimonial transcorreu na Igreja São José, em Botuverá, hoje esta igreja teve uma arrumação e está muito bonita. Fomos de carro de mola, sendo que três deles eram dos convidados. Todos enfeitados, pois era uma ocasião especial. Após a missa, os convidados eram recepcionados na casa do sogro com almoço, café e janta. Em seguida continuava com um gaiteiro animando a festa. Porém a dança não se prolongou, pois naquela noite o gaiteiro fez negócio com sua gaita e acabou vendendo, terminando com a animação. Naquela época os padres não gostavam muito desse tipo de festa com dança, não queriam saber de dança nenhuma. Penso que nunca aprendi a dançar por causa dessa proibição, mas a mulher era muito dançarina.

Natal:

Era uma festa muito alegre, principalmente porque ganhávamos doces especiais, roupas novas e uma comida bem melhor do que nos outros dias. Nós não enfeitávamos o pinheiro, isso começou de uns tempos pra cá. Sendo tradição de pai para filho.

Páscoa:

Não era uma festa tão representativa quanto o Natal. Já vem de mais tempo que o Natal é a festa principal. A Páscoa é uma festa mais de igreja, confissões, penitências e orações. A maior alegria era quando ganhávamos ovos cozidos e coloridos com uma espécie de cebolinha vermelha que dava nas vargens como uma praga, que depois de fervidos dava esta coloração [risos]. Todo o tempo tem um jeito de fazer as coisas para se lembrar e até para ficar bonito, muitas vezes fazendo com dificuldades, ficando uma coisa representativa também. Vejo não ser mais uma festa de amor, de alegria, pois se trata somente do comércio, daí quem tem compra o que quer e quem não tem fica olhando para os outros. Fazíamos doces, cucas e bolos, e ficava uma coisa especial. Daí colocava o trato para o cavalinho que viria comer, isto queria dizer que quem trazia os ovinhos pintados era o cavalinho.

Sobre as profissões

Era só roça praticamente. Nós cortávamos trato e fazíamos quinhão [risos]... Quinhão quer dizer: quando se vai para roça com rapaz pequeno só se faz trapaça e coisa que não presta. Então, o pai e a mãe diziam: Olha! Esse pedacinho aqui é teu e tu vais capinar bem e deixar limpinho. Quando acabava, daí estava livre e ia brincar. O rio ficava perto da roça, então mesmo cansados nós já pulávamos dentro, tomávamos banho e pescávamos bastante. Eu também cheguei a trabalhar com ouro por muito tempo. Mas não dava muito dinheiro não. Só dava para as despesas. Nunca me esqueço uma vez, o lucro para mim foi de 600 “fiorim”, daí comprei uma bicicleta. Fui uma das primeiras pessoas a ter esse meio de transporte. Se fosse aos tempos de hoje era um dinheirão. Mas esse valor foi todo na compra da bicicleta.

Sobre os transportes

O melhor transporte naqueles tempos era o carro-de-mola. Eu levava e buscava o meu pai lá na cidade na casa do Marcadeli que ficava ali onde tem a Gráfica Mercúrio lá na ponte Bornhausen, onde dá a volta para Guabiruba. Tinha uma casa pelo lado de cima. Depois, naquele lugar fizeram um grande mercado.

Sobre os rios

O rio tinha 10 vezes mais água do que hoje. Naquele tempo muito pouco papel havia, não é como hoje que tem esse mundão de coisas e plástico. Então, se a gente jogava um papel no rio, ele se desmanchava e se acabava. Agora bota uma embalagem dessas que tem hoje, nunca se acaba. Era muito divertido brincar com o Satel, pescar e tomar banho. Hoje, está muito diferente, o nosso rio é um valo, só pedras e muito pouca água. As pessoas são relaxadas e desinteressadas, não colaboram com a limpeza e jogam tudo quanto é lixo de rio abaixo, até as fossas de muitas casas tem o esgoto direto para o rio, daí não dá coragem nem de comer mais um peixe desse rio.

Sobre assistência médica

Era muito difícil. O médico era um artigo de luxo. Buscava-se de carro-de-mola, mas quando ele chegava ou consolava a família ou acabava de matar com aqueles comprimidos que trazia. O doutor Mattiolli era o médico melhor que a maioria das pessoas buscava, mas, além dele existia o doutor: Francisco, conhecido como Chico.

Sobre a Juventude

Com 15 ou 16 anos mais ou menos, tinha um pensamento de namorar. Hoje essas crianças saem da 3ª, 4ª série já falando em namoro. Ia muito nas festas com meus amigos, íamos em qualquer lugar que tinha festa: na Bela Vista, Botuverá e Nova Trento. Pegávamos a bicicleta e íamos embora. Tínhamos os passeios também. num grupo de pessoas, fazíamos excursão até o morro da Santa em Nova Trento. Também nos divertíamos bastante nas domingueiras. Foi numa festa na Bela Vista que eu conheci minha esposa, Dona Isabel. Era uma rapariga pequena, mas eu estava meio de olho em cima, só que ela nem ligava para mim, ainda por cima éramos meio parentes. Num certo momento Dona Isabel foi comprar bala, daí eu disse: compra um pouco pra mim que eu também gosto. Ela não respondeu, só olhou para trás e eu deixei assim, fazer o que.

Falando em namoração, eu tinha uma namoradinha que era vizinha. Sabe né, é mais fácil porque a gente se vê mais. Ela também ia para a escola comigo. Então eu ficava de olho porque quando a gente fica mais velho tem que se apaixonar por alguma pessoa. O amor vai aparecer, não tenho dúvida disso. Logo namoramos um pouco de tempo. Eu me lembro que tinha praia de capim. Uma fábrica lá em cima do morro e tinha bastante capim e a outra ficava bem lá embaixo perto da casa dela, mas tinha pouco capim. Com o tempo percebi que ela não gostava mais de mim, nem os seus pais. Vivia dando bola a outros rapazes. Com isso, deu uma esculhambada e precisamos se deixar. Mas eu já estava de olho na Isabel e com isso comecei a namorar com ela. Vejo que valeu a pena lutar e esperar por essa mulher, pois já estamos casados 57 anos e nos amamos muito.

Referências