Entrevista Ricardo José Engel - Luiz Gianesini

De Sala Virtual Brusque
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Ricardo e a esposa Ivana.
Divulgação.

O entrevistado da semana é o Auditor-Fiscal do Trabalho (MTE) e professor Universitário (Unifebe), ora licenciado Ricardo José Engel, filho de Isidoro Guilherme Engel e de Maria Rauber Engel (in memoriam; nascido em Peritiba - meio-oeste catarinense aos 07.01.65, casado com Ivana Miriam Torresani Engel com a qual tem uma filha Gabriela Maria; torce para o Internacional (Porto Alegre, último time brasileiro a ser campeão mundial, vencendo o “badalado” Barcelona”.

Quais são as lembranças que você tem da sua infância?

Minha infância foi a de um guri da roça. Meus pais, vivendo da pequena agricultura, criaram os doze filhos, numa vida pontilhada de muitas lutas e sacrifícios, superando os desafios da vida no meio rural, num pequeno município de colonização predominantemente germânica. Eu sou o 11o filho. Nosso único veículo era uma bicicleta, que servia, na medida do possível, a todos os membros da família. Vida modesta, marcada por um clima de união e alegria. A mesa sempre foi farta e a refeição, com os cheiros e sabores da comida colonial, invariavelmente precedida da oração de agradecimento a Deus.

Sonho de criança?

Era poder estudar. Muito cedo percebi a falta de pendor para as atividades e trabalhos agrícolas.

Como foi sua infância, adolescência, juventude? O que você mais gostava de fazer para se divertir? A minha infância foi como a de qualquer garoto morando numa pequena cidade do meio rural catarinense, Peritiba, nos anos 1970. As diversões eram as pescarias e os banhos no pequeno rio que corta a cidade, o futebol que jogávamos de pés descalços (regra geral), em campos rústicos e acidentados, com traves improvisadas com bambus e os jogos com bola de gude (bolica). Sem esquecer das brincadeiras com pequenas juntas de bois que amansávamos na canga, fazendo-as puxar leves troncos de madeira ou mesmo a carroça, na qual subíamos todos, apesar dos riscos de alguns acidentes. Tempos faceiros. Depois, no inverno de 1976, meus pais resolveram se mudar para o extremo oeste do estado, na cidade de Riqueza. Eu fiquei em casa de parentes até o reinício das aulas, quando ingressei no seminário, aos onze anos, na minha cidade natal. Deste modo, toda a minha adolescência e parte da juventude, a vivi no seminário, de onde saí com vinte anos, quando já estudava filosofia em Brusque, no ano de 1985. Neste contexto, minha diversão no seminário eram os jogos de futebol, carteados, pescarias, filmes na televisão e cinema, e outras brincadeiras. No futebol, atuava, medianamente, como zagueiro, no terceiro time, o que já era muito para o meu desempenho como jogador.

Quais eventos mundiais tiveram o maior impacto em sua vida durante a sua juventude?

Vamos nos referir à eleição do Papa João Paulo II no final dos anos 70 e seu longo e exemplar pontificado, que deixou traços indeléveis na história da humanidade. Constituiu-se numa figura humana e espiritual de grandeza incomum e de uma sabedoria divinamente inspirada, que sem dúvida marcou gerações e cativou a juventude e que através de seu trabalho de pastor infatigável, por razões notórias, tornou-se um dos líderes mundiais mais influentes e carismáticos do século passado.

Pessoas que influenciaram?

Sem dúvida alguma, meus pais. Apesar de, pelas condições da época, apenas terem frequentado até o quarto ano do ensino fundamental, sempre demonstravam apreço pela leitura de jornais, revistas, almanaques, folhetos religiosos, etc. Isso foi um incentivo para mim. Meu pai, um pequeno agricultor, me ensinou a marca da honestidade, da responsabilidade, do respeito e do trabalho. Minha mãe, uma pessoa extraordinária, um poço de humildade e de bondade. Um exemplo de mulher de fé, de amor a Deus, de profunda devoção mariana. Ela me ensinou que a vida é comparável a um jardim de flores, que para manter-se belo, demanda permanente cultivo, dedicação e cuidados. Sou eternamente grato a eles.

Como era a escola quando você era criança? Quais eram suas melhores e piores matérias? De que atividades escolares e esportes você participava?

Minha escola, no ensino fundamental, reputo-a muito boa, tranquila, disciplinada. Tenho boas lembranças, pois os professores eram muito qualificados e comprometidos com a missão de educar, não obstante a modesta cidade e as condições de uma escola básica nos anos setenta. História, geografia e português tinham a minha preferência. Matemática, o meu “calcanhar de Aquiles”, embora não tenha reprovado nesta disciplina.

Formação escolar?

O ensino fundamental frequentei integralmente na Escola Básica Irmã Anunciata Sperandio, em Peritiba – SC. Já no ensino médio, depois de passar pelo “núcleo comum” em Chapecó – SC, conclui o Curso de Técnico em Contabilidade em Mondaí – SC, no ano de 1982, fora do seminário. Após isto obtive graduação em Estudos Sociais e em depois Direito pela Univali, seguida de especialização em Administração de Empresas pela ESAG. Por fim o Mestrado, pela Univali. No doutorado, também na Univali, concluí todas as disciplinas, porém não defendi a tese por razões estranhas à minha vontade (questões burocráticas da instituição e problemas pessoais de saúde).

Primeira professora?

Professora Marli Hermes. Não consigo entender de que forma ela, praticamente sozinha, dava conta de tanta criançada. Lembro dela com muito carinho. Era uma pessoa vocacionada. Atendia, incansável, cada aluno que a chamava para empurrar o balanço, instalado no pátio do “Jardim de Infância”

Grandes professores?

Todos foram importantes. Alguns de cultura mais sólida e iluminada, outros menos carismáticos. Todavia cada um, a seu modo, contribuiu para minha formação e sou grato a todos por isto. Ao citar alguns nomes, cometeria uma injustiça com outros que deixaria de citar.

Como surgiu a ideia do livro “Jus Variandi no Contrato Individual de Trabalho”?

Esse livro representa o produto de nossa dissertação de mestrado, em cuja defesa pública foi sugerido, pela banca examinadora, a sua publicação. Então enviamos o texto para a LTr que decidiu pela edição do livro. O tema já havia sido objeto de estudo num artigo que publicamos na Revista LTr, especializada em direito trabalhista e com mais de 75 anos de tradição. Em resumo, qual a conotação do jus variandi. O foco da investigação é a identificação teórico-científica do poder unilateral e discricionário do empregador, no dia-a-dia das relações de trabalho, ao dirigir a prestação pessoal de serviços por parte de seus empregados.

Na sua tese, têm limites para o empregador ao lidar com o empregado?

Conforme já dissemos anteriormente, o jus variandi é um poder discricionário, porém não arbitrário. Ele jamais poderá ser instrumento de injustiças. Daí a necessidade de se conhecer seus limites, através do exame dos esteios do ordenamento jurídico brasileiro. E neste ponto chegamos aos princípios, que são os elementos nucleares e estruturantes de todo o nosso sistema jurídico. No caso específico do Jus Variandi, seus limites podem ser identificados por quatro princípios: Dignidade da Pessoa Humana, Não-Discriminação, Boa-Fé e Razoabilidade.

E como surgiu a ideia de escrever o livro Pedalando pelo Tempo – História da Bicicleta em Brusque?

Colecionamos bicicletas clássicas e antigas desde 2004. Qualquer colecionador, como é natural, trata de buscar o maior número de informações possível a respeito do objeto de seu colecionismo. É uma tendência fácil de compreender. No nosso caso, impunha-se conhecer ao máximo possível, a história da bicicleta, suas diversas marcas e origens, seus componentes, acessórios, etc. Iniciei pesquisas, nas horas vagas, sobretudo em meio virtual, pois raríssima é a bibliografia. Veio o ano do sesquicentenário de Brusque e algumas pessoas sugeriram o resgate da história da bicicleta no âmbito local e regional, uma vez que na história de Brusque, a bicicleta exerceu um relevante papel, sobremodo nas décadas de 1950 e 1960, tendo uma relação umbilical com o desenvolvimento social, econômico, cultural e humano da cidade dos tecidos. Entendemos que seria justo resgatar esta valiosa memória e oferecer este estudo à comunidade brusquense. As principais fontes, para a história local, foram os documentos escritos e a história oral e memória. O livro encontra-se já em sua segunda edição, disponível aos interessados nas livrarias da cidade.

O tema escolhido fugiu da área jurídica, deve-se a sua formação e a preocupação com a realidade social?

Associado à questão do colecionismo, razão principal da pesquisa, o enfrentamento do tema foi facilitado talvez pela nossa formação em Estudos Sociais, que foi a primeira graduação, além de sempre gostarmos de história, mais como curioso do que como pesquisador. Lecionei história no passado, no Colégio São Luiz e também no curso de Direito da Unifebe, bem no início do curso. Gosto da temática e considero-a essencial para todos os campos do saber. Vale a velha frase: a história é a mestra da vida. Além disto, era o ano do sesquicentenário de Brusque e entendi ser justo oferecer uma contribuição, ainda que pálida e desluzida, à cidade que me recebeu.

Em 2003 o primogênito dos livros, em 2010 o segundo, alguma obra no prelo?

Estamos trabalhando em uma pesquisa biográfica a respeito de uma pessoa muito estimada pela coletividade brusquense e que tem uma longa e reconhecida história de talento comercial. O livro deverá ser publicado ainda neste ano. Por ora, a pedido, deixamos de dar maiores detalhes. O outro projeto em andamento, em parceria com nosso amigo, cronista e escritor Valdir Appel (Chiquinho), tem como objeto a investigação de aspectos históricos do Clube Esportivo Paysandú, “O Mais Querido”, da Rua Pedro Werner.

Como é sua experiência como Auditor-Fiscal do Trabalho no Ministério do Trabalho e Emprego?

Ingressei no MTE em 1995, através de concurso público, depois de nove anos de atividades como servidor da Justiça do Trabalho, na antiga Junta de Conciliação e Julgamento de Brusque, época em que também lecionei história. Esta experiência no judiciário auxiliou-me no exercício do novo trabalho, pois como Oficial de Justiça Ad hoc, já realizava visitas às empresas. A atividade de Auditor-Fiscal do Trabalho tem seus desafios e riscos. É desgastante, pela sua natureza. Por outro lado, gosto muito do que faço e a atividade é extremamente gratificante pelos resultados coletivos que se produz em favor dos trabalhadores, e num espaço de tempo relativamente curto. Refiro-me às melhorias das condições de trabalho, correção de irregularidades em vários atributos como registro do empregado, salário, jornada de trabalho, descansos, FGTS, segurança e saúde do trabalhador, proteção do trabalho da mulher e do menor, etc. O ambiente de trabalho deve propiciar, sempre, o respeito à dignidade do trabalhador e os seus direitos, assegurados pela legislação trabalhista, devem ser respeitados pelo empregador. É evidente que, por se tratar de uma relação jurídica bilateral, aos empregados incumbe cumprir, zelosamente, seus deveres, também previstos em lei e no contrato de trabalho. Em resumo, por meio função pública que exerço, aliado às atividades de magistério, tentamos consagrar o melhor das energias em favor daquele idealismo ou utopia que sempre nos moveu, de contribuir, modestamente, para a edificação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Algo que você apostou e não deu certo?

É claro que muitas coisas projetamos na vida e nem todas dão certo. Mas tenho que pensar para tentar lembrar algo relevante... Então acho que isso é um bom sinal! Além disto, sou otimista: prefiro sempre recordar apenas as coisas que deram certo.

O que faria se estivesse no inicio da carreira e não teve coragem de fazer?

Diminuiria o número de aulas à noite e ficaria mais com a família.

O que você aplica dos grandes educadores, das aprendizagens que teve, no seu dia a dia?

São tantas que fica difícil destacar. Mas vamos arriscar algumas. Primeiramente, a humildade científica. A postura deve ser de aprendizagem constante, colhendo lições do ensinamento posto, que é vastíssimo, filtrando criticamente o novo que surge. Saber ouvir: o que cala, em muitas ocasiões, aprende mais do aquele que fala. Depois, destacaria uma aprendizagem de cunho religioso: que devemos sempre ser um sinal de Deus em qualquer lugar por onde andarmos, por nossas ações e palavras. Podemos nem sempre conseguir, mas devemos sempre tentar.

Quais as maiores decepções e alegrias que teve?

Não tive grandes decepções. Como disse antes, prefiro buscar na memória as coisas que me alegram. Alegrias: o nascimento da minha filha. Foi uma emoção indescritível.

Uma palhinha sobre o mestrado e doutorado em ciência jurídica?

Foi uma excelente aprendizagem, para vislumbrar aspectos fundantes do fenômeno jurídico e para afinal, perceber-se o quanto você ainda não conhece dele.

Na Unifebe, continua como docente? Qual a cadeira? O magistério é um desafio?

Na Unifebe sou professor desde 1992. Lecionei diversas disciplinas no curso de Direito e no último semestre ministrei Direito do Trabalho I e Introdução ao Direito I. Escoadas quase duas décadas, solicitei afastamento, para dedicação a estudos e resolver problemas de saúde, mas continuo orientando trabalhos de conclusão de curso. Os alunos constituem, a toda evidência, o maior patrimônio da Unifebe, a razão de sua existência e elementos fundamentais de seu sucesso. Gosto muito deles e sempre tivemos um bom relacionamento. Sempre colaboraram bastante comigo e aprendi muito com eles nestes anos todos. Afinal, ser professor é um grande desafio: Primeiro é preciso cativar o aluno, faze-lo gostar de aprender, de estar ali em sala de aula. Depois, é preciso saber que ensino, pesquisa e extensão se quer oferecer e, mais que isso, comprometido com quê e com quem? Com qual proposta de sociedade? A ideia, bastante antiga, continua verdadeira: as práticas pedagógicas precisam sempre estar compromissadas com a realidade concreta (sociedade desigual) e com a formação integral do aluno. Isso não é tarefa fácil. Exige vocacionados e abnegados.

Referências

  • Jornal Em Foco. Edição de 13 de março de 2012.