Uma excursão no Centro de Brusque - Max José Schumann

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Uma excursão no centro de Brusque

‘"NOVIDADES" - 29 de setembro de 1907."’

  • Max J. Schumann

‘"Engenheiro, foi Chefe d Comissariado de Terras e Colonizaão do 2°. Distrito, com sede em Brusque, entre 1907 e 1912. Organizou e realizou várias expedições pelo interior de Brusque, descrevendo-as em seus notáveis artigos: ""Daqui a Lages em 3 dias, ""Uma excursão pelo interior de Brusque"", ""Uma excursão ao Pinheiral"" e ""Uma excursão no centro d'e Brusque"" que trat1$0revemos a seguir. Exerceu úteis ati­ vidades na Comunidade brusquense dura111rte os 5 anos que aqui perma­ neceu. En outras, participou da Comi.Ssão das Comemorações do 50° aniversário de B.rusque, inclusive da instalação do Marco comemo­ rativo (JOANA) ; na Comissão que reuniu industriais, artistas, comer­ ciantes e colonos para participarem da Grande Ex.posição Nacional do Rio de Janeiro, em 1908. Dentre os 40 expoSitores de Brusque, figurou Max J. Schumann, que conquistou um Grande Prêmio, uma medalha de ouro e outra de prata . Participou da Grande Exposição Internacio­ nal de Turim -Itália, em 1911, com 308 amostras de madeiras, obten. do ""Grande Prêmio""." ‘

No desejo de conhecer pessoalmente, quanto possível me foss. o segundo Distrito do Comissariado Geral, que há pouco, imerecida­ mente me foi confiado pelo nosso Governo, aproveitei a ocasião que tinha de ir ali a serviço, para visitar a região do Ribeirão do Ouro, no alto Itajahy Mirim."

Julgando que há de haver quem tenha interesse em conhecer um pouco essa parte do florescentei'município de Brusque, venho tentar dar, em poucas linhas, uma descrição ligeira das impressões que recebi durante a minha excursão."

Saindo da nossa já bem adiantada Vila e tendo passado a ponte metálica ""Cel. Vidal Ramos"", tomei a estrada para Aguas Claras, Ce­ dro, Aguas Negras, Porto Franco, etc. cruzando primeiro o famoso caso de submersão, empresa feita com tanto capricho como escrúpulo, e que custou em toda sua extensão, ào seu proprietário, uma quantia bem avultada, mas que dará também um bom resultado. Empresa mo· delo, que situada à margem d'uma das mais importantes vias da nos­ sa colônia, dará aos transeuntes boa ocasião de apreciá-la e estudar o método moderno de duplicar muitas vezes o rendimento deste impor­ tante ramo da nossa lavoura."

O bom estado das casas, pastos, potreiros e roças, que deixaram poucos e já diminutos trechos de mata virgem, e que estão beirando a estrada geral, são uma boa prova da diligência e dedicação de seus moradores, que cultivam principalmente o feijão, milho, mandioca e cana e que têm bastante cafezais em condições regulares."

Até Águas Negras predomina o elemento teuto entre os colonos; d'ali em diante constituem os italianos a maior parte dos moradores. Como é flagrantemente destacado o estilo das moradias dos teutos da dos italianoSt·e como o viajante observador, já de longe pode distinguir a residência d'um alemão da d'um filho da velha Itália!! Mas é, inega­ velmente igual o zelo e a boa vontade das duas nacionalidades em cul­ tivar e adiantar o estado da.si, suas propriedades para ganhar o pão quo­ tidiano."

Formando toda a nossa região um importante núcleo de expor­ tação de madeiras, encontra-se também um número regular de enge­ nhos de serra aqui, cuja produção em consideráveis ""stokes"" se acha empilhada em frente do engenho, na beira da estrada ou da margem do rio, esperando para que sejam formadas as muitas vezes bem impor­ tantes balsas e jangadas para a viagem fluvial até o porto de Itajahy."

A importância d'esta indústria ganha relativamente com a dis­ tância do lugar até o centro do município, para finalmente predominar completamente no Ribeirão do Ouro. Para obter a necessária força motriz e mesmo nos tempos de seca ter suficiente água, foram feitas em muitos lugares canalizações, juntando assim algumas vertentes e riachinhos. Encontram-se também diversas adufas regulares, cujos sal­ tos artificiais aumentam1bastante o pitoresco encanto da região monta­ nhosa. Quase todas as terras d'estas vertentes já estão aproveitadas, na forma acima mencionada, para arrozais. _"

Estranhei, e principalmente na esfera dos colonos italianos, a quase absoluta falta ,dt.J1vinhos, convidando justamente a terra calcárea para culturas em grande escala, pois julgo geralmente, conhecido, que os vinhos espumantes da Champagne devem as suas qualidades supe­ riores a essas condições geológicas, do solo e subsolo. O clima aqui não poder ser muito di:fürente do daquela parte da França."

Sendo a cabra a ""vaca dos pobres"", arbitrei os potreiros cheios de gado vacum como agradável sinal de certa riqueza dos moradores, mas não quero deixar despercebida a ocasião para chamar a atenção daqueles moradores para a grande importância da criação caprina nes­ tes morros quase inacessíveis e toda a vida impróprios para a lavoura ."

Existe feito muito trabalho pelo próprio braço do morador, que hoje, sendo a região já regularmente cultivada, não é mais tanto avalla­ do como merece. 'Nesse sentido faço menção de um caminho particu­ lar do sr. Alexandre Tirloni, para escoadouro das madeiras dos terre­ nos dele, nos fundos da linha do Gabiruba, que custou perto de 4 con­ tos."

A respeito da estrada geral, que vai no vale do rio Itajahy, cor­ tando um considerável número das suas mil voltas basta dizer que fi­ quei, apesar do tempo muito chuvoso, agradavelmente impressionado pelo seu estado regular. Dá para fazer a viagem em carro até a sedz do Ribeirão.. io Oura,\'. mas. em alguns lugares ela é tão estreita, que duas carroças não podem desviar-se. Dando-se um caso deste, é necessário desmontar o veículo para poder virá-lo e voltar num lugar mais largo. A viagem que se pode fazer bem comodamente num só dia, porque são apenas, mais ou menos, cinqüenta kilômetros, não aborrece o itineran­ te, por causa da grande variedade do pitoresco panorama do rio, que como filho das altas serras, cheias de abismos e boqueirões, dividido por milhares de grutas e gargantas, percorre bem alegre o seu ""thai­ weg"" pedregoso e estreito, formando assim numerosas correntes e duas cachoeiras regulares. O murmurar e o ruido surdo de suas águas es­ pumantes e cristalinas, acompanha sempre, como agradável música, o viajante, que sabe gozar dos deliciosos atrativos da majestosa nature­ za e que não aborrece a maravilhosa arquitetura de nossas serras, se­ jam elas cobertas duma floresta semi-verde, sejam somente pedras nuas e rochas gigantescas, quais a vista encontra sempre durante a viagem nos dois lados do rio ."

Partindo a estrada do planalto de Brusque, vai subindo conti­ nuamente até o Ribeirão do Ouro e creio eu que este último lugar está situado a mais de 200 metros acima do nívêl do mar. Mais tarde, tor­ nando-se com o aumento da população o trânsito dessa estrada maior, será necessário alargar estes trechos, atualmente tão estreitos."

O valor do rio para a navegação é atualmente diminuto, mas po­ dia-se com insignificante despesa melhorá-lo. O maior obstáculo apre­ sentam as duas já referidas cachoeiras formadas por algumas lajes e rochas e dividindo assim a largura do rio em diversos canais de dife­ rente correnteza e altura."

Construindo aqui e nos dois lados diques e deixando o princi­ pal canal aberto, ficaria concentrada lá toda água e dava para passa­ rem inteiras as balsas e jangadas, onde hoje passam somente em par­ tes. Igualmente, tornava-se também mais cômoda a passagem das ca­ noas. Estes melhoramentos que por exemplo, encontram-se no rio Cahy, no Rio Grande do Sul, talvez dessem para lanchões baixos e de não muito calado poderem subir o rio, mesmo com pouca água, até a sede do Ribeirão do Ouro. Isto devia ser de grande importância para o escoamento da cal, fabricada nesta altura. Hoje, por terem receio de molhar e arruinar assim o produto, os fabricantes não podem apro­ veitar a via fluvial."

Sofre toda esta região de numerosas enchentes, mas por causa da impetuosidade da corrente do rio, são elas de pouca duração. Cal­ cula-se em dezoito horas . A mais importante de que os atuais mora­ dores lembram, deu-se no ano de 1880, passando o rio cerca de 50· pal­ mos o seu nível normal e causando grandes estragos. Também fica­ ram nesta época bem transformadas as condições topográficas do rio, que não procurou somente em diversos trechos um novo ""thalweg"", como também formou imensasl ilhas e ilhotas, roubando ora nesta mar­ gem, ora naquela consideráveis pedaços das propriedades. O antigo leito aparece hoje com lagoas e serve para o esgoto das águas que transbordam do rio no tempo das enchentes."

O estado das pontes varando Águas Claras e Aguas Negras, é muito bom. As outras menos importantes são regulares e são repara· das pelos próprios moradores. Somente a ponte sobre o Cedro exige categoricamente em breve uma reconstrução completa e causou a co­ municação do sr. Superintendente, que trouxe da Capital os necessá­ rios créditos parai isito, a mais agradável impressão entre os moradores."

A formação geológica mostra à f'lor da terra e no subsolo cama­ das de grande espessura de barro amarelo, que oferece um material su­ perior para a fabricação de tijolos. 'Quanto mais para cima o barro vai aparecendo às vezes misturado com areia, saibro, mas predomi­ nando sempre o primeiro. Aproximando-se do Ribeirão do Ouro en­ contram-se diversos minerais, pedra-gres, ferro, granito, quartzo e mui­ tas qualidades de pedra calcárea e uma pedra parda, para a qual nos últimos tempos, por iniciativa do sr . coronel Carlos Renaux, foi cha­ mada não somente a atenção de todos daqui, como também a do Go­ verno e até de capitalistas europeus. E, conforme a análise dum quí­ mico especialista da Suiça, matéria prima excelente para a fabricação de cimento. Não aparece ela somente em ninhos ou dispersa nesta vasta região, mas forma uma jazida enorme e de grande extensão, sendo encontrada como pedras soltas e roliças e como rochas em f or­ mas de pequenos morros. regulares, não só no Vale do Ouro como tam­ bém no do Ribeirão da Areia e em alguns lugares no município je Lages."

A indústria de caeiras já começa a ser explorada pela laborio­ sa coônia italiana. Mostraram-me uma cal virgem, de qualidade superior, branca como a neve e contaram-me que uma pedra, mais ou menos do tamanho de um tijolo, dava uma quarta de cal. O méto­ do, porém, da fabricação, ainda é muito primitivo."

Conforme os mencionados minerais que acompanham o chisto e ouro, a geognosia com toda certeza cíassificaria a formação d.à" zona como hurônea .

Nestes morros de cal foram descobertas algumas cavernas de tamanho regular. Entrei em três, mas o meu tempo não deu para ir ao Ribeirão da Areia. A primeira num morro do lote nº 7 da Linha Ouro e foi descoberta por um italiano que procurava na mata uma vaca fugida. Quem desejar ver as outras deve resignar-se a uma mar­ cha de 4 horas, por um sertão ainda bem fechado e muito montanho­ so. A mais interessante é a terceira, não só por causa de sua forma­ ção e construção como também por ser a mais extensa. Aqui se en­ contram três quartos ligados por duas galerias em zi-zag. A altura varia de 4 até 6 metros, mas parece ser mais alta por não ser muito larga. Encontram-se dentro, como igualmente nas outras, algumas estalactitas e os princípios de estalacmitas, mas já foram derrubadas as mais bonitas. A dor delas é de um branco duvidoso e amarelado, mas na segunda existem ainda os restos de vermelho-claras, quase rosa. As três grutas são completamente secas. Que elas foram co­nhecidas dos indígenas e talvez aproveitadas para qualquar fim pro­ va um grande número. de sinais que descobri na parede da maio:, feitos, como julgo, com a ponta férrea duma flecha. Com toda cer­ teza não foi usada como moradia por ser sensivelmente fresca; tam­ bém faltam os indícios de fogo e fumaça, mas serviu e serve talvez ainda como ""rendez-vous"" dos nossos silvícolas, pois essa zona fo!""­ ma ainda uma parte do sertão, ocupado pelos bugres, e onde o bran­ co entra somente com toda cautela. Está bem vivo ainda a lembran­ ça dos últimos dois assassinatos nesta região. Mataram, no já citado lote nº 7, perto da gruta, há anos, um moço que derrubava, em com­panhia de três amigos, uma mata. O outro caso deu-se com uma se­ nhora, que foi já há mais de 10 anos moradora do lugar. Ignora-se até agora o motivo dos dois homicídios. Que eles ainda estão ali, afir­mou-me o sr. Morelli, que passando com a carroça o ribeirão, foi a- . tacado com pedras atiradas da mata. O meu vaqueano, que descobriu as duas últimas gruta, nesta excursão, foi o sr. Jacinto Marcelino, ir­ mão do célebre bugreiro Martins, e que vive à beira do mato como caçador e estabelecido com os seus cunhados com engenho de serra .."

As matas da região por mim penetrada estão virgens, pois a exploração ilegal de suas madeiras ainda não venceu as dificuldades por falta de caminhos. São, porém, de aspectos tristes os lotes no Ribeirão do Ouro, completamente derrubados e devastados no seu principal valor, na madeira. Já por este motivo devia-se aceitar com maior satisfação, a realização da Empresa Renaux, que acabará de uma só vez com estes crimes. Seria uma injustiça processar essa gente, pois culpados são todos os moradores, desde o tempo da co­lonização até os intrusos atuais."

Atravessei a mata em todos os rumos, encontrando sempre a mesma situação ..

Os estabelecimentos dos moradores, sejam benfeitorias, sejam culturas, denotam um estado de decadência e a miséria daquela gen­ te ali, como puxadores de madeira, etc. . Choupanas tristes e planta­ ções numa escala que não dá para o próprio sustento da família."

A única exceção é a casa dos srs. André Colzani, recém-cons­truída e a do sr. Teodoro Werner, estabelecido lá com engenho de serra, atafona e criação regular de gado vacum e mino."

Não quero concluir sem aludir mais uma vez ao grande de­ s.envolvi.lnento moral e material dos colonos. Reina ali boa ordem e trabalho e o bem estar, testemunhos da prosperidade, do engrandeci­ mento de povo laborioso" Aproveito o ·ensejo 1para mais uma vez agradecer, penhorado, as provas de estima e consideração, que me foram dispensadas em Aguas Negras, Porto Franco e Ribeirão do Ouro durante a mffíha ex­ cursão."

Max José Schumann


Casa de Brusque