Resenha do livro A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-mirim por Afonso Imhof

De Sala Virtual Brusque
Ir para navegaçãoIr para pesquisar

RESENHA DO LIVRO

A colonização alemã no Vale do Italai-Mirim

UM ESTUDO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (*)

AFONSO IMHOF

No capítulo II, reservado ao povoamento do Vale do Itajaí-Mirim, a Autora historia a imigração alemã no Brasil com os seus insucessos iniciais até 1860, ano em que foi fundada a Colônia de Itajaí-Brusque, a qual abrangia principalmente toda a extensão territorial ao longo do Vale do Rio Itajaí-Mirim (tributário do Itajaí-Açu, rio principal da bacia hidrográfica do Vale do Itajaí fragmentada hoje nos Municípios de Brusque, Guabiruba, Botuverá e Vidal Ramos, concentrando a Autora suas pesquisas nos dois primeiros, pois ali houve a concentração de levas de imigrantes alemães, enquanto Botuverá, Vidal Ramos e ainda Nova Trento, no Vale do Tijucas (também integrante da Colônia-Itajaí-Brusque), receberam italianos. Analisa o povoamento do Vale do Itajaí-Mirim em relação ao sistema Waldhufen (colonizacão da região montanhosa do leste da Alemanha no final da Idade Média: o tipo de povoamento chamado Waldhufen p. 42). A distribuição das propriedades em lotes alongados, segundo a Autora (p. 48), é que faz o sistema de povoamento assemelhar-se muito à Waldhufendorf, característica da colonização medieval da Floresta Negra, Odenwald, leste de Mittelgebirg e em partes das florestas das terras baixas do norte da Alemanha. Rica a explanação em torno desse sistema, explicando detalhes terminológicos da estrutura agrária camponesa medieval, como, por exemplo, Marachlufendorf, Flur; Gewane; Haufendorf; Strassendorf; Flurzwang. A Autora explica (p. 54), que a tradicão histórica do campesinato alemão, o tipo de povoamento que prevaleceu no Vale do Itaiaí-Mirim, o isolamento e a adequação de novas técnicas agrícolas ligadas ao cultivo em um novo habitat, o cultivo de plantas nativas em substituição às europeias e um novo tipo de comércio, foram fatores relevantes na formação dessa comunidade camponesa. Nela, dois elementos importantes se destacam de um lado, a pequena propriedade agrícola (colônia) e o grupo doméstico constituindo a unidade econômica; de outro, a vila, constituindo o "mundo do camponês".

A exploração do lote colonial se caracterizou pela policultura e pelo uso de técnicas agrícolas peculiares ao sistema de coivara, sendo que o milho, a mandioca, a cana-de-açúcar e o tabaco forneciam o excedente de produção para ser trocado ou vendido nas Kaufladen (vendas), ficando os outros exclusivamente para a subsistência, a saber: o feijão-preto, o taiá, a batata-doce, o amendoim, o aipim e as colheitas de horta, onde cultivavam os legumes e, próximas à casa, árvores frutíferas que se destinavam ao consumo doméstico. Houve pouca, quase insignificante criação de animais.

Por outro lado, os engenhos de açúcar e cachaça, a produção do fubá e farinha de mandioca nas atafonas, a manufatura de charutos, a produção de vinhos, banha, derivados do leite e de um doce de frutas pastoso chamado Mus, constituíram as principais atividades - rotuladas pela SEYFERTH como “indústria doméstica" (p. 67 - e tiveram excelente incremento. A Autora explora estatisticamente, baseada em relatórios da época, a produção e descreve o fabrico de alguns produtos, analisando até a divisão do trabalho na Colônia.

A Vila (de Brusque) é o segundo elemento importante que caracterizou a comunidade camponesa do Itajaí-Mirim no século XIX (p. 54 a 83). O colono não ficava isolado na sua propriedade: ele mantinha suas atividades sociais e econômicas com seus semelhantes através das relações sociais estabelecidas na vila; ali ficavam as capelas, as escolas, a sede da Schützenverein (Sociedade de Caça e Tiro), a administração, o ancoradouro, o cemitério, acreditando SEYFERTH que ta1vez por isso não era chamada de Dorf (a1deia), mas sim de Stadplatz (de Stadt, cidade e Platz, lugar). A vila era ao mesmo tempo aldeia e cidade.

O capítulo IV é dedicado ao estudo do comércio colonial onde se destacam os vendeiros, isto é, os proprietários de casas comerciais, as Kaufladen (vendas). Os vendeiros, um pequeno número de pessoas, monopolizavam o transporte e o comércio.

Os colonos vendiam ou trocavam suas mercadorias por produtos trazidos das cidades que eram necessários à sua subsistência. Havia um monopólio subordinando o colono ao vendeiro, e, como SEYFERTH afirma (p. 102) - "o imigrante começava suas atividades como colono e pequeno proprietário devendo ao vendeiro". Os colonos não tinham outra alternativa quanto à colocação dos seus produtos no mercado e à aquisição daquilo que necessitavam. As atividades dos vendeiros não se limitavam unicamente ao comércio e conseqüente monopólio dos transportes e preços. Havia um outro fator, segundo SEYFERTH (p. 109), não menos importante, que deixava os colonos dependentes deles: eram os comerciantes que financiavam e exploravam boa parte da pequena indústria ligada à lavoura (engenhos e atafonas e, já no princípio do século XX, também as fecularias) e as serrarias. Toda a poupança do colono, excetuando aquela que era destinada a melhorar a propriedade, acabava nas mãos dos vendeiros para ser guardada por ele, funcionando a venda como um banco dos colonos; entretanto, diferia desse tipo de instituição em um aspecto importante: não era o colono que recebia juros pelas importâncias depositadas na venda; o colono pagava pelo depósito nas Kaufladen.

No último capítulo, a Autora traz uma importante contribuição à elucidação do aparecimento da industrialização de Brusque, contestando Emílio Willems, que acreditava na origem artesanal das indústrias. A realidade, levantada pela Autora, é outra. No inicio da colonização o artesanato era apenas uma atividade suplementar dos colonos, forçados a depender de uma economia estritamente familiar. Pela exposição de fatos; a Autora exclui a hipótese do artesanato ter gerado ou até contribuído para a industrialização. A implantação da indústria têxtil em Brusque a partir de 1892, teve como fator relevante a tentativa do sr. Carlos Renaux de produzir e revender tecidos em sua venda, fabricados por ele mesmo. Como vendeiro desde 1883, tinha condições de garantir um mercado seguro. Ainda dois aspectos que marcaram a implantação da indústria têxtil dizem respeito ao capital investigo à mão-de-obra empregada. Os vendeiros eram únicos que tinham condições de acumular vasto capital. A presença de tecelões poloneses de Lodz na colônia, que foram convidados pelo Sr. Renaux a trabalhar na instalação da indústria, foi coincidência fortuita. Três foram as causas determinantes, segundo os estudos da SEYFERTH (p. 127) da industrialização de Brusque com base na tecelagem: 1. a existência de capital local garantido pelo comércio, 2. a potencialidade de um mercado consumidor na região; 3. a existência de mão-de-obra aproveitável entre os agricultores, reforçada pela presença de alguns artífices especializados na fabricação de tecidos, que funcionaram como orientadores dos demais. É importante ainda atentarmos para as duas fases ocorridas no processo de desenvolvimento econômico de Brusque, após o início da industrialização: a primeira, que abrange o período de 1892 a 1930, caracteriza-se pela predominância de atividade agrícola sobre a industrial. O número de operários ainda não é muito grande em relação aos agricultores. A segunda fase da economia brusquense é marcada pela predominância das atividades industriais sobre as agrícolas a partir dá Segunda Guerra Mundial. A proletarização é maior, sentida através dos expressivos aumentos: de 1561 operários que havia em 1937, passaram a ser 3.680 em 1950.

O excelente trabalho da antropóloga e historiadora Giralda Seyferth constitui-se num enriquecimento valioso para a bibliografia das Ciências Sociais especialmente no tangente às imigrações alemã no Brasil.

(*) Giralda Seyferth Editora Movimento e Sociedade Amigos de Brusque, Porto Alegre, 1974.


Casa de Brusque