Mudanças entre as edições de "Décio Freitas - O alemão no Sul do Brasil"

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A reconstituição do processo econômico dessa transformação é a tarefa que se propõe Giralda Seyferth, numa primorosa monografia baseada em pesquisas de arquivo e de campo.
 
A reconstituição do processo econômico dessa transformação é a tarefa que se propõe Giralda Seyferth, numa primorosa monografia baseada em pesquisas de arquivo e de campo.
  
De início, a Autora aprecia a sítuação da Alemanha na segun-
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De início, a Autora aprecia a situação da Alemanha na segunda metade do século passado, de onde proveio a maioria dos colonizadores do vale, para concluir que eram de extração principalmente camponesa e secundariamente artesanal Segundo apurou em entrevistas com descendentes de imigrantes as razões mais importantes que induziram os antepassados a deixarem a terra natal foram a escassez de terras, a fragmentação de propriedades, o excesso de trabalho das indústrias e os baixos salários dos trabalhadores rurais ou urbanos. Contribuíram paralelamente fatores extra-econômicos, como as guerras, as revoluções e as perseguições políticas. Seria o caso de dizer-se, em síntese, que a grande emigração do século XIX teve por causa fundamental a incapacidade da atrasada economia alemã para absorver uma crescente população. Nessas condições, a emigração apresentou-se como um meio de exportar excedentes demográficos que ameaçavam perigosamente a estabilidade das estruturas tradicionais. A descompressão social produzida por esse sangradouro demográfico teve como resultado frustar as expectativas de Marx numa revolução aparentemente inevitável.
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Instalados em lotes cuja área era em média de 25 hectares, os imigrantes criaram uma sociedade rural e uma economia baseada em unidades familiares mais ou menos auto-suficientes de produção e consumo. Esse sistema econômico-social resultou em grande parte, segundo a Autora do isolamento inicial da área, colonial, do tipo de
imigrantes criaram uma socíedade rural e uma economia baseada em
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povoamento, do regime de pequena propriedade e da tradição do campesinato alemão do século XIX.
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Uma vez, contudo, que a auto-suficiência não era total, o colono tinha de colocar parte da sua produção no mercado. A comercialização dos excedentes se processava por intermédio dos vendeiros, isso é, proprietários de lojas ou casas comerciais extrategicamente situadas na região colonial. A importância do papel exercido pelos
no tinha de colocar parte da sua produção no mercado. A comercia- w
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vendeiros foi crucial. Em páginas que figuram entre os pontos altos do livro, Giralda Seyferth põe à mostra o processo pelo qual os vendeiros exerciam pleno domínio sobre a produção econômica dos colonos. Controlavam o comércio e o transporte, impunham os preços do que vendiam ou compravam e, finalmente, guardavam o dinheiro dos
lização dos excedentes se processava por intermédio dos vendeiros,
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colonos. O lucro proporcionado por esse mecanismo era utilizado pelos vendeiros na ampliação dos seus negócios, construindo engenhos e serrarias, melhorando os transportes, acumulando estoques e financiando os colonos mediante empréstimos a juros altos. Em conclusão o vendeiro “conseguiu ficar com a maior parte dos lucros proporcionados pela produção de uma parte dos colonos". E, assim, pode acumular o capital que depois lhe possibilitou implantar a indústria, principalmente a têxtil de Brusque.
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Para Giralda Seyferth_ a industrialização do vale do Itajaí-Mi-
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Para Giralda Seyferth_ a industrialização do vale do Itajaí-Mirim saiu da venda e não, como querem alguns Autores, do artesanato. A tese é original pois sempre se atribuiu às burguesias comerciais um papel historicamente parasitário e conservador. Seyferth assinala que
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Edição das 16h15min de 30 de agosto de 2019

O alemão no Sul do Brasil, um estudo científico

  • DÉCIO FREITAS

A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-Mirim, de Giralda Seyferth. Movimento, Porto Alegre, 1974, capa de Mario Hohmelt, 159 páginas.

GIRALDA SEYFERTH
(Curricu1um Vitae)

  • 1) Bacharel em História e Licenciada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC).
  • 2) Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). (Programa de pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional).
  • 3) Diretora em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (USP). (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).
  • 4) Professora Assistente de Antropologia do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. (UFRJ).

Tese de Doutorado: “Nacionalismo e Identidade Ética. A ideologia germanista e o grupo étnico teuto-brasileiro numa Comunidade do Vale do Itajaí". Próxima edição da Sociedade Amigos de Brusque.

A região catarinense correspondente ao vale médio do rio Itajaí-Mirim se caracteriza hoje por uma industrialização e uma urbanização que permitem qualificá-la como economicamente desenvolvida. A indústria domina a produção econômica e mesmo na área rural a população se constitui na maior parte de colonos-operários. Trata-se de uma estrutura econômica e social bem diversa da que prevaleceu nos primórdios da colonização quando as características essenciais eram o povoamento rural e a produção camponesa baseada no trabalho familiar em pequenas propriedades.

A reconstituição do processo econômico dessa transformação é a tarefa que se propõe Giralda Seyferth, numa primorosa monografia baseada em pesquisas de arquivo e de campo.

De início, a Autora aprecia a situação da Alemanha na segunda metade do século passado, de onde proveio a maioria dos colonizadores do vale, para concluir que eram de extração principalmente camponesa e secundariamente artesanal Segundo apurou em entrevistas com descendentes de imigrantes as razões mais importantes que induziram os antepassados a deixarem a terra natal foram a escassez de terras, a fragmentação de propriedades, o excesso de trabalho das indústrias e os baixos salários dos trabalhadores rurais ou urbanos. Contribuíram paralelamente fatores extra-econômicos, como as guerras, as revoluções e as perseguições políticas. Seria o caso de dizer-se, em síntese, que a grande emigração do século XIX teve por causa fundamental a incapacidade da atrasada economia alemã para absorver uma crescente população. Nessas condições, a emigração apresentou-se como um meio de exportar excedentes demográficos que ameaçavam perigosamente a estabilidade das estruturas tradicionais. A descompressão social produzida por esse sangradouro demográfico teve como resultado frustar as expectativas de Marx numa revolução aparentemente inevitável.

Instalados em lotes cuja área era em média de 25 hectares, os imigrantes criaram uma sociedade rural e uma economia baseada em unidades familiares mais ou menos auto-suficientes de produção e consumo. Esse sistema econômico-social resultou em grande parte, segundo a Autora do isolamento inicial da área, colonial, do tipo de povoamento, do regime de pequena propriedade e da tradição do campesinato alemão do século XIX.

Uma vez, contudo, que a auto-suficiência não era total, o colono tinha de colocar parte da sua produção no mercado. A comercialização dos excedentes se processava por intermédio dos vendeiros, isso é, proprietários de lojas ou casas comerciais extrategicamente situadas na região colonial. A importância do papel exercido pelos vendeiros foi crucial. Em páginas que figuram entre os pontos altos do livro, Giralda Seyferth põe à mostra o processo pelo qual os vendeiros exerciam pleno domínio sobre a produção econômica dos colonos. Controlavam o comércio e o transporte, impunham os preços do que vendiam ou compravam e, finalmente, guardavam o dinheiro dos colonos. O lucro proporcionado por esse mecanismo era utilizado pelos vendeiros na ampliação dos seus negócios, construindo engenhos e serrarias, melhorando os transportes, acumulando estoques e financiando os colonos mediante empréstimos a juros altos. Em conclusão o vendeiro “conseguiu ficar com a maior parte dos lucros proporcionados pela produção de uma parte dos colonos". E, assim, pode acumular o capital que depois lhe possibilitou implantar a indústria, principalmente a têxtil de Brusque.

Para Giralda Seyferth_ a industrialização do vale do Itajaí-Mirim saiu da venda e não, como querem alguns Autores, do artesanato. A tese é original pois sempre se atribuiu às burguesias comerciais um papel historicamente parasitário e conservador. Seyferth assinala que






Jean Roche chegou à mesma conclusão no que concerne ao Rio Gran~ de do Su1; contudo, cabe observar que o Autor francês é menos cate- górico, admitindo uma certa participação do artesanato no processo de industrialização (A Colonização Alemã no Rio Grande do SuI, voL II, capitulo VII). Sustenta a Autora que o artesão não tinha meíõs de acumular capitais e que a implantação da indústria têxtil em Brus- que nada teve a ver com o artesanato.

O papel deste não teria senão o de fornecer mã0-de-obra. Ilus- tra a tese com a hístória da mais antiga e importante índústria têxtil de Brusque. A.índustrialização teria sido determinada pela existência de capital local oriundo do comércio; pela potencialidade de um mer- cado consumidor na região, pela presença de alguns artífices especia~ lízados na fabricação de tecidos e pela existência de mão-de-obm aproveitável entre os agricultoresz O Vendeiro industrial pôde enfren- tar a concorrência dos tecidos estrangeiros mais baratos graças ao expediente de oferecer seu produto diretamente aos colonos, que não tinham noção dos verdadeiros preços.

Sublínha a Autora as profundas mudanças que a industrializw ção introduziu na estngtura sócio-econômica da região. O- sistema produtivo baseado na pequena propriedade familiar entrou em de- composição e os camponeses se Viram submetidos a um acentuado processo de proletarizaçã0. Passando os membros da familia camp0-

V nesa a trabalhar na fábrica, declinou a produção agrícola dos lotes-.

Apesar disso, não deSapareceram totalmente as característícas camponesas do sistema, poís as indústrias, quer por motivos técnicos, quer pelo empenho de aproVeitar a mã0-de-obra, disseminaram-se por toda a área coloníal. Cbmo resultado disso, coexistiu com a categoria tradicional do camponês uma nova categoria socia.1, a do colono-ope- rárío, que trabalhava parte do dia na lavoura em sua pequena prc- priedade e outra parte na fábrica. O aparecimento do colono-operá- rio não fez desaparecer o camponês poís este continuou a manter a sua pequena propriedade. Mas a função econômica desta já não foi maís a mesma e ísso devido a uma complexa interação díalética de múltiplos fatores. A carência dew terras e o direito sucessórrio brasilei- ro pulverizaram a pequena propriedade .A indústria absorveu boa parte do tempo que 0 camponês tradicionalmente dedicava à lavoura. Ao mesmo tempo, não dispondo de tempo integral para trabalhar na terra. o camponês já não necessitava de tanta terra. Em face dis-so, as partilhas antes tão evitadas - no Rio Grande Ado Sul os colonos ate« nuaram o nrocesso do munifúndio, estimulado pela sucessão causa mortis, mediante o expediente de alguns herdeiros desistirem de seus quinhões nos inventários - converteram-se em rotina, aplicandase integralmente o direito sucessório brasileiro. Apesar disso, se bem que reduzida, a pequena propriedade agrícola continuou a revestír importancia como meío de subsísténcia para o colono. E isso porque o colono-operário não se mudava para perto da indústria. Permane-



cia na sua propriedade e se deslocava diariamente até o local de tra~ ba1h0.

Nesta fase, os camponeses-operários predominavam na indús~ tria sobre os simples operários. A relação se inverteu na última fase do desenvolvímento industrial, iniciada com a Segunda Guerra Mun- dia1. O antigo sistema econômico praticamente desapareceu e a pr0~ letarização do camponês se tornou quase completa. Nas palavras da Autoraz

“O grande aumento do número de empregados nas fábricas fez com que diminuísse o número de camponeses-operários em relação aos operários.

Mas nem o colono-operário deixa de existir e nem tampouco o pequeno proprietário agrícola é desligado do trabalho industríaL Entretanto, o aspecto do campo se modifica em função dos tipos de cultivo voltados a tinalidades industriais, por causa das pequenas indústrias de transformação de produtos agrícolas que se multiplicam na área. Do campesinato tradicional na áreaxcorrespondente ao médio vale do Itajai-Mirim só ficou mesmo o regime de pequena propriedade 1rabalhada pela famzlia e a divisão do trabalho com base na compo~ sição familiar. Mesmo na área rural vamos encontrar entre as pro- priedades puramente agrícolas operários e colonos~operários que se deslocam diariamente até as fábricas' .

O estudo de Giralda Seyferth impãe que se reconheça o papel altamente progressista desempenhado pela burguesia comercial do vale médio do Itajaí-Mirim. Seria igualmente interessante acentuar que o isolamento espacial e cultural em que viveram as primeiras comunidades de imígrantes alemães não sígnificou um isolamento econômico .Muito pelo contrário tanto em Santa Catarina como no Rio Grande do Su1, essas comunidades se entroncaram desde o inícío numa pré-existente economia de mercado que absorvia os seus exce- dentes. Não fora isso, tais comunidades se teríam visto condenadas à estagnação. Maís aínda, o preexistente mercado consumidor provi- nha do fato de que as socíedades do Sul brasileiro se caracterizavam pelo predomínio de relações sociaís de produção não escravistas. E, por fim, cumpre não esquecer que a industrialização foi possível gra- ças ao protecionismo aduaneíro estabelecido pela República. Será pura coincidência que a industrialização somente tenha tido início depois da República?

O livro de Giralda Seyferth representa a mêlhor contribuíção cíentífica já prestada ao estudo da colonização germànica no Sul do Brasil. De uma maneira geraL consegue galhardamente evitar o em- pírismo quase inerente às monografias. E não é um dos seus menores méritos a coragem desmistificadora com que aborda certos aspectos do tema.

(Transcrito do “J0rna1 do Brasi1", Río de Janeíro _ 18.1.1975)

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