Correspondência de Oswaldo Rodrigues Cabral remetida a Ayres Gevaerd em 30 de agosto de 1957

De Sala Virtual Brusque
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Dr. Oswaldo Rodrigues Cabral

Foi por ocasião do 1°. Congresso de História Catarinense, realizado em Florianópolis em outubro de 1948, que conheci pessoalmente Oswaldo Rodrigues Cabral. Anos depois, quando a Sociedade Amigos de Brusque deu inicio à coleta de material para ser escrita a história dos Brusquenses, foi ele convidado a realizá-la, possibilitando então aproximação mais intima e objetiva.

Feita uma reunião preliminar em Brusque, a Sociedade Amigos de Brusque entregou-lhe minguadas noticias históricas; nada de documentos originais, simplesmente notas de jornais e um relato feito por ocasião do 50°. aniversário da nossa veterana Sociedade de Atiradores. Fez sentir essa carência de elementos, mas, esperava encontrar em Florianópolis, nos arquivos das Secretarias do Governo, na Biblioteca Pública e no Departamento de Geografia e Cartografia, informações mais precisas e amplas. Não demorou, recebi a seguinte carta, que vale como um Prefácio da história de Brusque. As sugestões que deu relacionadas com as comemorações do centenário, foram quase todas aproveitadas.

"Florianópolis, 30 de agosto de 1957.

Prezado amigo Snr. Ayres Gevaerd.

Saudações atenciosas.

Recebi e agradeço a remessa do jornal contendo as “armas" da cidade de Brusque, bem como a notícia da minha estada nessa encantadora cidade.

Hoje quero dar-lhe algumas notícias relativas ao trabalho, pedindo queira comunicar aos seus confrades da Sociedade Amigos de Brusque.

Dei inicio ao trabalho e já estou com um capitulo concluido e outro por concluir. Graças a uma indicação do Dr. Victor Peluso, à coadjuvação do Sr. Carlos Buechele Jr. e seus auxiliares do Departamento de Geografia e Cartografia, pudemos encontrar a maior parte do que necessitávamos para um trabalho exato sobre os primeiros tempos da Colônia. Assim, estamos com todo o documentário dos anos de 1860 a 1867, exceto o ano de 1861 - que não foi encontrado, contendo cartas e Relatórios do próprio punho do Barão de Schneéburg, primeiro Diretor.

Há coisas interessantissimas, inclusive a relação nominal de todas as 10 familias da 1ª. turma de imigrantes, das 32 da 2ª. leva, com todos os membros da familia, idades, profissão de cada um, religião, etc. .. Da mesma forma, dos da 3ª. e 4ª. levas, que foram todos os colonos entrados no ano de 1860. Poderemos assim reconstruir o histórico de muitas famílias. Também encontrei no pacote de 1860 um mapa da divisão dos lotes. Assim, foi possivel escrever o primeiro capítulo. O mapa, a cores, está sendo reproduzido no Departamento de Geografia.

O 2°. Capítulo, a biografia de Araujo Brusque e a sua atuação administrativa e politica não só em Santa Catarina como fora, está sendo alinhavado - quase concluido. O Sr. Carlos da Costa Pereira, Diretor da Biblioteca Pública, tem me auxiliado, realizando ali pesquisas nos jornais da época. - Projeto fazer um 3°. Capitulo sobre Brusque (colônia) sob o regime colonial, reconstituindo a sua vida até constituir-se em Municipio, valendo-me do que encontrar nos pacotes de documentos, Relatórios dos Diretores, Falas dos Presidentes, etc...

E, finalmente, um 4º. sobre a “era industrial" - isto é, Brusque Municipio, Comarca, Vila,, Cidade, etc... O Dr. Victor Peluso, por mim convidado, aceitou fazer a parte econômica da vida brusquense. Seria interessante a Sociedade dirigir-lhe um oficio neste sentido. Ao Dr. Mário Dias da Cunha entreguei o oficio e ele está providenciando. Vamos ver se encontramos na Diretoria de Terras os pacotes posteriores a 1868 e os Relatórios dos Diretores da Colônia.

No momento estou examinando o masso relativo ao ano de 1862. Já encontrei coisas de interesse, inclusive a demissão de Guido, Secretário de Schneéburg, por ter chefiado uma reação contra o mesmo. E já encontrei dados para retificar muitos nomes que estão errados nos trabalhos anteriormente publicados. Como vê, a coisa prossegue...

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Da esquerda, sentados: Antonio T. Dias, Walter F. Piazza, Ayres Gevaerd, Oswaldo R. Cabral, Dom Afonso Niehues e Armando F. Polli. Na mesma ordem, em pé: Wilson Santos, Cyro Gevaerd, Ingo A. Renaux, Waldemar Schloesser, Bernardo Starck, Antônio Heil, Luiz Strecker e Euclides Visconti.


Vou ter dificuldades é quanto à parte de datilografia do trabalho. Eu gosto de escrever a lápis - é um costume antigo - não sei pensar sobre a máquina. E tenho de entregar o trabalho a uma datilógrafa - e não estão cobrando barato, nesta Capital... Creio que teremos algumas despesas neste sentido.

Agora, permitome fazer algumas sugestões.

Certamente a Comissão do Centenário projeta fazer em 1960 uma exposição comemorativa. Sugiro que se reserve uma parte para uma exposição histórica. Estou separando, dos pacotes, mapas, plantas, gravuras, tudo o que possa ser exposto. São documentos autênticos e valerá a pena expô-los na ocasião. Bastará, na oportunidade, obter o apoio do Governo do Estado para que o Departamento de Geografia organize os mostruários com o referido material. Além de possuirem muito gosto artistico, podem apresentar mapas, gráficos, etc... de real valor.

Outro ponto: deve o amigo chefiar uma equipe de elementos interessados e obter o maior número possivel de retratos de moradores antigos, velhos colonos, separados por familias - pois muitos deles poderão ser dos primeiros.

Um terceiro ponto: conseguir para a exposição, por empréstimo, objetos antigos pertencentes aos moradores. Serão devolvidos, depois. Mas é bom iniciar desde já o seu tombamento, a sua relação.

Assim, terá a Comissão organizado uma parte histórica de alto valor. Quando eu voltar a Brusque, falaremos a respeito, lembre-me, por favor, para estudarmos os detalhes. Creio que lá para o fim do ano poderei passar outro sábado com os Amigos e cuidarmos destes pontos.

Estou aproveitando a chuva para escrever-lhe esta. Não posso fazê-lo com muita frequência, pois o tempo é escasso para quem como eu, chupa cana e assovia ao mesmo tempo. Tanto mais que "dei no filão”. Estou entusiasmado com o que tenho encontrado e com a expectativa de encontrar mais. Assim, aproveito todas as oportunidades para examinar e tomar minhas notas.

O livro que projeto deverá conter clichês com vistas de Brusque, antigas, retratos, mapas. Os mapas eu já estou mandando reproduzir. Agora precisamos cuidar dos retratos. Será interessante consegui-los e mandar reproduzí-los. Terá o amigo o retrato do Barão de Schneéburg? Foi um grande homem, sem dúvida, principalmente para Brusque! ..

A idéia de um monumento - um obelisco - no ponto do desembarque dos colonos deve ser ventilada. E seria interessante fazê-lo de granito, dando-lhe uma forma moderna, condigna. No pedestal, sugiro, deve haver 4 lápides de bronze. Numa delas, os nomes dos primeiros ou dos mais destacados Diretores, com as datas do inicio e fim das respectivas administrações, além do do Presidente da Província que deu o seu nome à Colônia. Numa outra, os nomes das famílias primeiras. Noutra, a 1ª. planta da colônia que eu tenho, com os nomes de Vicente Só, Pedro José Werner e outros. E finalmente, a 4ª. com os dizeres comemorativos do centenário e sua inauguração, etc. Acredito que a Prefeitura de Brusque pode concorrer com este monumento, que custará pouco mais de uma centena de contos. Seria bom, entretanto, entregar a confecção do projeto a um artista, para que seja um monumento condigno e à altura da bela e progressista cidade.

A meu ver, deve ser localizado no ponto do desembarque dos primeiros colonos, onde Pedro José Werner possuia seu engenho de farinha, (e não de serra), e onde ficaram positivamente alojados.

Isto é apenas um lembrete, que o amigo, junto com os membros da Sociedade Amigos de Brusque, resolverão como acharem melhor.

Seria interessante que o livro fosse aberto com as armas de Brusque a cores. Não encarece e desperta atenção.

Finalmente, já que eu estou na maré das sugestões, lembro a conveniência de mandarem imprimir cartazes coloridos, para serem afixados em todo o Estado, fazendo propaganda das festas centenárias. Devem ser projetados desde já, escolhidos os membros, uns 3 ou 4, pela Sociedade e tratada de sua impressão. Durante o ano de 1958, seria afixado o primeiro deles. No ano de l959, um outro. E, finalmente, em 60, os 2 últimos. Esto atrai turistas, que deixam dinheiro na cidade. Uma ou 2 semanas de comemorações, culminantes com as oficiais do dia 4 de agosto, darão oportunidade aos turistas de visitar a cidade, a exposição, realizar as suas compras, etc...

Não esquecer as louças (souvenirs): cinzeiros, chicaras, pratos, vasos, com as armas de Brusque, com vistas da cidade, com retratos dos ilustres homens de Brusque - afinal muitas coisas que podem ser objeto de venda aos visitantes, com lucro para a Comissão.

Uma lei municipal dará exclusividade à Comissão para mandar executar tais souvenirs (inclusive flâmulas) e esta distribuirá ao comércio local, garantindo para si uma comissão de tantos %, que cobrirão parte das despesas.

E por hoje chega.

Queira apresentar ao Sr. Willy e Exma. Esposa, bem como ao Revmo. Cônego Niehues (não sei escrevo certo.), ao amigo Dias, os meus cumprimentos mui amistosos.

E ao amigo envio um abraço mui cordial.

ass. Oswaldo Cabral"

No dia 9 de janeiro de 1958, Oswaldo R. Cabral em companhia de Walter F. Piazza, em memoravel reunião realizada na sede da Sociedade Amigos de Brusque, da qual destaco um flagrante, procedeu à entrega dos originais de "BRUSQUE — Subsídios para a história de uma Colônia nos tempos do Império”.

Data dai uma amizade que se foi consolidando através dos anos e que teve a coroá-la a Sociedade Amigos de Brusque e o Museu Histórico do Vale do Itajaí Mirim.

Sua casa esteve, e continua ainda, sempre aberta aos seus amigos brusquenses; visita obrigatória todas as vezes que se vai a Florianópolis. Nunca faltou nem faltará o cafésinho ou o refresco de pitanga preparado por Dona Olivia.

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Desejo destacar, nestas notas, uma faceta de sua dedicação à cultura histórica de Santa Catarina, o que caracteriza o valor de seus livros: a completa ausência de interesses pecuniários!

Momentos depois da entrega dos originais da história de Brusque, pedi-lhe a conta; sua resposta foi a seguinte: VALE A AMIZADE DOS BRUSQUENSES, NADA ME DEVEM.

Brusque manifestou sua gratidão dando-lhe o 1°. titulo de Cidadão Honorário Brusquense, entregue em solenidade especial realizada na Prefeitura MunicipaL ao tempo do prefeito Dr. Carlos Moritz.

Cyro Gevaerd prestou-lhe outra homenagem, dando o nome de seu pai, “Ary Cabral", à biblioteca pública inaugurada com sua presença no dia 3 de agosto de 1963.

O produto da venda de seu livro, como de outros que viriam a seguir, permitiu o inicio da construção da “Casa de Brusque”, guarda de nossa história, de nossas tradições e do trabalho de uma comunidade fundada há 118 anos.

Guarda também, com muito carinho, da fotografia de Oswaldo Rodrigues Cabral, 1°. cidadão honorário de Brusque, falecido em Florianópolis no dia 17 de fevereiro de 1978.

Ayres Gevaerd.

Casa de Brusque