Claviceps Purpurea

De Sala Virtual Brusque
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Guardada entre as montanhas no sul do Brasil, encontra-se por mais de um século a cidade de Brusque. Tão próxima do Atlântico, tão distante do mundo que a espreita, Brusque dorme em uma realidade estofada pelo delírio, diga-se talvez, uma "sul-realidade". Lá se fala do que acontece quando nada acontece. Comemora-se tantas vezes o tempo que é morto em uma declarada paixão pelo materialismo. Curiosamente, aqueles que por lá circulam, quanto mais empenhados em erigir a ordem, cultuar o cálculo e o individualismo, mais revelam em tudo o que fazem a profunda falta de sentido e a inconsistência de sua forma de vida. Há um fenômeno que ocorre em lugares assim tantas vezes verificado na história. Um paradoxo. Quando os homens creem cegamente em sua realidade, acabam por irromper o absurdo. Como efeito, expõem-se o imaginário como aquilo que envolve o humano. Eis o encadeamento do sonho e da realidade. A busca incessante pelo sentido e, a partir dai, a criação de novos sentidos. Por isso, corações jovens buscam a arte, a música, a melodia como um momento, um sentimento de plenitude, uma fuga do mundo dividido. Assim, experimentam muito mais de sua essência, transbordando a existência, pois certamente como disse Dom Quixote "a liberdade, Sancho, não é um pedaço de pão".

Consideram-se esses fatores ao falar do Claviceps Purpurea porque esta banda brusquense em sua história significa precisamente isso, a redefinição da existência em uma pequena cidade do interior. Como a música pode se tornar o bem maior, o fio condutor da vida, aquilo que descreve o imaterial, que permite o acesso a outros mundos? Isso é um processo. Um estado de erupção. Um desencontro com o padrão e um encontro com sua própria potência. Um fazer por si mesmo. Um agir coletivamente de forma independente. Enfim, redefinir as coisas, juntamente com aqueles que partilham do mesmo sentimento.

No ano de 2005, reúnem-se em uma sala de ensaio Luís Machado, Felipe Zen, Maciel Borba e Daniel Fisher para desmanchar um antigo projeto musical e fundar a banda Claviceps. A iniciativa foi expandir sua liberdade criativa em novas composições, bem como assumir um compromisso com uma proposta nascente de outros grupos locais em produzir música de forma independente. As primeiras composições foram marcadas por uma forte veia grunge revelada em músicas como: "parafuso", "o vírus" e "não me importo com você". Mas em pouco tempo, os trabalhos ganharam elementos crescentes do rock psicodélico caracterizados em uma primeira canção do gênero, "o homem do paletó". Com a entrada de Jean Hochsprung como segundo guitarrista, as canções adquiriram mais peso e novas texturas, assim como, a experimentação com falsetes encontrados na música "Luxúria". As cinco canções aqui citadas formaram o primeiro disco que leva como título apenas o nome da banda: “Claviceps”. Gravado entre o ano de 2005 e 2006, este álbum representou uma das primeiras materializações dos trabalhos das bandas independentes locais. A banda passou a receber desde então o apoio da Fuckitall Records, selo independente local que já organizava atividades no ramo da música. A partir do lançamento do primeiro álbum, iniciam-se shows em diferentes locais da cidade apesar da resistência da indústria do entretenimento dominante que privilegiava exclusivamente os gêneros musicais “populares”. Esta atividade de shows continuou até meados do ano de 2006 quando ocorreu a saída de Maciel Borba e, posteriormente, a saída de Jean Hochsprung, fato este que comprometeu temporariamente o andamento dos trabalhos da banda.

Inicia-se uma nova fase. A banda passa a se chamar "Claviceps Purpurea". André Seco é convidado para compor e tocar as linhas de baixo. Luís Machado compõe no piano um novo repertório que assume de vez o rock psicodélico como paradigma. Dentre as canções destacam-se: "Casa da cura", "Alien I e II" e "Jaula dos bugres", (esta última com 10 minutos de puro experimentalismo). Estas canções somadas a "Ira das Máfias", "Cordeiros da noite", "Chicote industrial" e "8 de maio" formaram o álbum "Entre o Arco e o Pote" lançado em 2008. O lançamento deste álbum consagrou o trabalho da banda que passou a representar o maior nome da música independente local.

No ano de 2009, a Claviceps Purpurea lançou um single na Internet de uma música que há muito tempo era tocada apenas em shows. “Americano ou Inglês” que está disponível no MySpace da banda é uma critica àqueles que inventam motivos para declarar guerra, manipulando pessoas através da mídia e distorcendo fatos em busca de interesses financeiros.

A partir dai as atividades do Claviceps Purpurea persistiram em um novo volume de composições, shows seletos e letras cada vez mais labirínticas. Felipe Zen aplicou em sua guitarra uma gama de efeitos e distorções contundentes delineados pelo baixo marcante de André Seco. As linhas de bateria de Daniel Fisher tornaram-se mais marcadas dando mais velocidade ao som. Canções como: "Enceladus", o interlúdio "Além do vale das sombras" seguidas de "O espantalho" mostram estes novos elementos. Em outras canções percebe-se uma nova complexidade de arranjos onde os vocais acompanham as melodias, e em alguns momentos quase se confundem em seus efeitos. Trata-se das canções: "Perda total", "O impostor" e "De novo". Já "Branca de Neve" e "Flores de Jasmim" recuperam um romantismo trágico nas letras e melodias que contam com a beleza de um piano tocado de forma precisa. O conjunto destas canções somado a uma nova versão de "Homem do paletó"; correspondem ao novo álbum da banda denominado "Merlot Cabriolet" (2011). Acompanhando este novo disco, há o clipe da música "Branca de Neve" que representou um esforço coordenado entre amigos em sua produção. Reunindo produtores, artistas plásticos, fotógrafos e atores, este clipe foi realizado de forma coletiva tendo como resultado mais do que um vídeo promocional, mas uma verdadeira prova de que a união faz a força e força faz a história.

O conjunto da obra do Claviceps Purpurea representa um esforço que transborda a música. Trata-se de uma constante busca individual e coletiva de encontrar a si mesmo através da arte. Arte que neste sentido refere-se a um meio e a um fim. Seja ela "arte pela arte". Acima disso, "arte através da vida". Vida que se destina à arte, arte que se destina à vida. Credo que diz que as cores se tornam mais vivas quando resgatamos nossa consciência para a beleza. No sentido de que ao escutarmos cada canção, nos deparamos com sons e palavras que denunciam o obscuro e revelam uma profunda e misteriosa beleza que está presente na vida de forma velada. Portanto, saibam que no sul do Brasil, em um ponto muito pequeno do mapa, há uma chama que vislumbra um caminho estreito entre os muros e as máquinas; e é por este caminho que caminhamos; e é por este caminho que por um longo tempo insistiremos em caminhar. A obra da banda Claviceps Purpurea representa essa iniciativa, mais que música, um esforço em busca de algo maior. Em 2016 a banda lançou o álbum Escadas do Céu e no fim de 2019 lançou o EP Verde.