Mudanças entre as edições de "Autobiografia do Pastor Johann Anton Heinrich Sandreczki"

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Viagem muito calma levou-nos em 40 dias, 11 dos quais práticamente parados em virtude de calmarias no equador, ao Rio de Janeiro, onde desembarcamos em começos de maio.
 
Viagem muito calma levou-nos em 40 dias, 11 dos quais práticamente parados em virtude de calmarias no equador, ao Rio de Janeiro, onde desembarcamos em começos de maio.
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Fomos amavelmente recebidos pelo pastor Wagner e também cordialmente saudados pelo Cônsul Suiço e diversos componentes da colônia alemã do Rio, bem como pelo diretor da Missão Presbiteriana Norte-americana no Brasil.
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A nossa colocação já estava determinada, mas somente depois de algumas semanas a nomeação foi feita. Entretanto, foi-me proporcionada, por essa espera, uma compensação em dinheiro. Finalmente pude empreender a viagem para o lugar do meu destino.
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Num vapor costeiro, eu cheguei primeiramente em Desterro, (hoje Florianópolis) capital da Província de Santa Catarina onde fui recebido pelo Sr. Todeschini, um austríaco, diretor da Colônia Teresópolis que dali distava um dia de viagem para o interior, e o qual me induziu a aceitar, provisoriamente, a direção da Comunidade Evangélica dessa mesma Colônia, em orfandade religiosa, o que o Presidente da Província teve que referendar, de vez que eu viera destinado para Brusque.
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Assim, eu servi à Comunidade de Teresópolis e à Comunidade vizinha da Colônia Isabel até a chegada do novo pastor.
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O pastor Wagner dirigiu as Comunidades, até que foi chamado ao Rio. Também ele procedia da Missionária da Basiléia.
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Demorou até começo de fevereiro do ano seguinte a chegada do novo pastor, também um basiliense, Cristovam Tischhauser, mais tarde professor de Teologia na Casa Missionária Pus-me, então, a caminho da minha já impaciente Comunidade de Itajaí-Brusque que me reclamava insistentemente.
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Depois de quatro dias cavalgando uma mula, sozinho, ali cheguei de surpresa, sem cantos nem toques de sinos de recepção pública e me apresentei ao Diretor da Colônia, e Barão von Schneéburg um antigo oficial austríaco.
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O governo não havia providenciado uma casa paroquial. O diretor havia ocupado a casa prevista para a finalidade durante o tempo em que eu me vira obrigado a manter-me afastado da Colônia. O ativo secretário da Direção, Max von Burowski ofereceu-me, porém, um quarto numa espaçosa casa de solteiro, para meu uso até que eu me transferisse para a casinha que eu construísse no lote que adquiri, muito barato, do governo, e a qual seria paga pela Direção da Colônia em compensação pelos aluguéis que não dispendia com a minha morada.
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Deve-se ainda notar que os meus vencimentos, por ano, pelo câmbio americano, importavam mais o menos em 400 dólares. Isso era muito pouco em comparação com os altos preços para os gastos de primeira necessidade, excluindo-se os gêneros alimentícios. Logo depois da minha chegada, eu indaguei a respeito do local para o Serviço Divino da Comunidade Evangélica. Foi-me mostrado um compartimento no antigo, primitivo e tosco rancho de recepção de imigrantes. As paredes do compartimento eram de barro e a cobertura de folhas de palmito. No chão de terra batida, sem assoalho, haviam fincado estacas sobre as quais tabuas serviam de bancos.
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Uma mesa grosseira, tendo um acréscimo em forma de tribuna, era a combinação de altar e púlpito.
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Os católicos tinham uma capela, embora construída de forma primitiva, mas muito mais digna. Não deveria reinar um espírito muito religioso entre os evangélicos, pois, do contrário, eles teriam já protestado contra local tão indigno do Serviço Divino.
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Assim, apesar da minha pouca experiência nas funções, tocou-me a tarefa de fazer a Comunidade volver ao seu fervor religioso.
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Era preciso recomeçar tudo quanto se referia a escola e à Igreja.
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A colônia existia há cerca de cinco anos. Durante esse tempo, a Comunidade que contava umas 80 famílias, era visitada, de duas a quatro vezes por anos, pelo pastor da vizinha Colônia Blumenau. A Comunidade foi crescendo pouco a pouco, pela vinda de novos imigrantes, até que atingiu 220 famílias, na maioria de Pomeranos. Os primeiros imigrantes eram de Schleswig-Holstein, Birkenfeld (Oldenburg) e badenses. Como o governo estipendiava o pastor, os membros da Comunidade tinham que concorrer apenas com as coletas nos cultos divinos. Por isso, podiam perfeitamente tomar a si a construção de um templo condigno. Tocou a mim despertar os brios da Comunidade nesse sentido. Juntamente com um auxílio do governo, eles reuniram o dinheiro necessário para construir uma igreja digna, embora não suntuosa.
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O principal ornamento do altar dessa igreja era uma cópia do quadro “A descida da Cruz”, de Rubens, doado pela imortal rainha da Rússia. O harmônio foi doação da principal sociedade de Stuttgart, da Fundação Gustavo Adolfo. Essa igreja, depois que a Comunidade construiu um novo templo, passou a servir como escola por alguns anos.
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Antes que eu prossiga falando em Comunidade e na minha missão, devo referir-me à constituição de minha família.
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Durante quatro anos, eu permaneci solteiro e cuidei dos trabalhos caseiros como pude, na minha pequena mas cômoda habitação. A Colônia já possuía um hotel de que era proprietário o amável Senhor Krieger. Ali eu almoçava. Para o café da manhã e a ceia, eu mesmo me arranjava. Mas frequentemente, o secretário Von Borowski, que entretanto, tinha se casado, convidava-me para a ceia.
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Ele continuou sendo, por muitos anos adiante, meu vizinho leal.
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Para uma família, a minha morada era muito pequena. Por isso, mandei construir mais dois cômodos e uma cozinha separada da casa, conforme o costume brasileiro.
  
 
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Edição das 15h28min de 6 de agosto de 2019

AUTOBIOGRAFIA DO PASTOR JOHANN ANTON HEINRICH SANDRECZKI

I

Desejamos destacar nesta nota a notável concordância das memórias do Pastor, no que concerne às suas atividades na Colônia, com os apontamentos feitos por Oswaldo R. Cabral em seu livro "Brusque" e com a síntese histórica do Centenário da Igreja Evangélica em "Brusque" que publicamos em 1965.

O Pastor Sandreczki situa-se na história de Brusque nos tempos coloniais como uma das mais extraordinárias atuações na consolidação, não sómente de sua Igreja como também, e isso é importante, nos destinos da própria Comunidade Brusquense que então se iniciava.

Há pouco a S.A.B. deu início à coleta de dados biográficos não só de brusquenses já desaparecidos como também de contemporâneos. Esses registros servem para julgar, com justiça, a atuação que exerceram na vida comunitária. No trabalho de cada pessoa, homem ou mulher, considerados em conjunto, estão os alicerces de uma Comunidade e devem ser lembrados para exemplo dos pósteros, dando-lhes o destaque que realmente merecem.

Ayres Gevaerd

Auto-biografia do Pastor Heinrich Sandreczki, escrito em setembro de 1909.

(Tradução de José Ferreira da Silva. De uma cópia pertencente à Sociedade dos Amigos de Brusque).

Nasci a 22 de setembro de 1837, em Hermópolis, na ilha grega de Sira.

Meu pai, o Dr. Carlos Sandreczki era de descendência polaca e nascera na Baviera e, ao tempo do rei Otto, esteve a serviço da Grécia como juiz regional em Sira, mas depois entrou para o serviço da "Church Missionary Society" (Sociedade Eclesiástica Missionária) como diretor das Escolas da Sociedade em Sira.

Minha mãe, Jeanette Contouz, a zelosa protetora de minha infância, educada desde sua meninice no estilo alemão, era filha de um francês residente em Munique e que estivera antes a serviço do Duque de Leuchtenberg.

Apesar das poucas ligações com a Alemanha, eu e os meus irmãos, longe dêsse país, fomos educados por meu pai profundamente alemães e eu convivia, além de com meus irmãos, com dois jovens, filhos do Missionário Mildner que também estava a serviço da mesma Sociedade que meu pai.

Meu pai foi o nosso primeiro professor em ciência e religião. Mais tarde êle, de acôrdo com o missionário Mildner, fizera vir da Alemanha um professor ao qual eu e meu irmão Max os dois irmãos Mildner fomos confiados e que prosseguiu na nossa educação.

Meu pai foi transferido para a Ásia Menor e, primeiramente, localizou-se em Budjah, próximo a Smirna e, posteriormente, em Smirna mesma.

Em Budjah, nós, crianças, tínhamos um excelente local de brinquedos e, para as demais ocupações, nos espaçosos cômodos e varandas das grandiosas casas pertencentes à Missão que nós ocupávamos com o Pastor Wolters e que, além disso, eram cercadas de parreiras, árvores frutíferas e outras bonitas plantas, e que nós aproveitávamos ao máximo. O nosso professor era um certo senhor Pokorni.

Dois anos eu vivi, ainda na nova pátria, na casa paterna. Então, meus pais resolveram mandar-me para uma escola na Alemanha e, segundo os planos de meu pai, para estudar medicina.

Como filho de missionário e em consequência da constante leitura dos jornais da Missão Calwer, minha fantasia preferia ocupar-se mais com as imagens da vida de missionário. Isso, entretanto, pouca influência teve então na minha decisão de acatar os desejos de meu pai, relativamente ao meu futuro.

Deixei, portanto, a casa paterna, sentindo dolorosamente a despedida. Meu destino era München. Ali eu deveria ir para a Companhia de meu avô Contouz. Relativamente aos estudos, fui pôsto sob as vistas e a orientação do meu tio, o barão Max du Prel, que era casado com a irmã de meu pai. Eu tomei-lhe grande estima, apesar da rigidez com que era tratado. Ali eu tive também oportunidade de aprender um francês correto.

Frequentar uma escola pública era coisa completamente nova para mim. Dominava ali um sistema pedagógico muito diferente do nosso professor particular Henning em Sira. Entretanto, adaptei-me bem, embora de começo fôsse bastante difícil.

Passado o primeiro ano, o conselho do meu padrinho de batismo, Heinrich von Schubert, eu deveria entrar para um Instituto. Êsse Instituto, em Augsburgo, ao qual estava ligado um curso ginasial, era tido como o melhor para o estudo e a educação. Infelizmente, entre muitos alunos reinavam a rebeldia, a desobediência e o pouco caso por um estudo sério. Senti, então, fortes desejos de regressar a München e o tio Du Prel resolveu mandar-me novamente para um ginásio nessa cidade.

Pouco depois disso, meu pai decidiu o meu regresso ao lar paterno em Jerusalém, para onde êle havia sido transferido pela Missão da Palestina, como secretário da Sociedade Missionária. O seu plano era mandar-me concluir os estudos na Inglaterra. Mostrei-me, porém, pouco interessado em seguir a carreira da medicina, a que êle havia me destinado e, por fim, decidi resistir-lhe.

Estava-me reservada uma direção mais alta.

A 21 de agosto, eu pús os pés no patamar da velha Casa da Missão Basiliense. Por quatro anos e meio fui aluno da Casa e ali recebi grandes benefícios para a minha vida interior e exterior.

A 21 de fevereiro de 1864 fui ordenado em Hürtingen, Würtenberg, pelo decano Sotck. Mas não fui destinado como missionário entre os pagãos, como era meu desejo, mas como pregador para colonos alemães no Brasil.

O govêrno, então ainda imperial, do Brasil, havia se comprometido de manter pastores evangélicos nas suas colônias e a estipendiá-los. E quando, anteriormente, solicitações a êsse respeito, através do Cônsul de Baden, no Rio de Janeiro, já haviam chegado à Sociedade Missionária de Baden, alunos dessa Casa já haviam sido enviados para o Espírito Santo e Santa Catarina. E quando outras solicitação se repetiu no ano de 1864 fomos eu e Hermann Reuther, destinados, êste para Santa Isabel, no Espírito Santo e eu para Itajaí-Brusque, na província de Santa Catarina.

Muito bem preparados pela Casa Missionária, empreendemos, em março do mesmo ano, a viagem para o oeste longínquo, através de Paris e Le Havre. Conosco viajou a senhorita Ana Groben, noiva do pastor Karl Wagner, do Rio de Janeiro. Em Le Havre embarcamos num veleiro que se achava pronto para largar o pôrto sob o comando de um amável francês.

Viagem muito calma levou-nos em 40 dias, 11 dos quais práticamente parados em virtude de calmarias no equador, ao Rio de Janeiro, onde desembarcamos em começos de maio.

(Continua)

Fomos amavelmente recebidos pelo pastor Wagner e também cordialmente saudados pelo Cônsul Suiço e diversos componentes da colônia alemã do Rio, bem como pelo diretor da Missão Presbiteriana Norte-americana no Brasil.

A nossa colocação já estava determinada, mas somente depois de algumas semanas a nomeação foi feita. Entretanto, foi-me proporcionada, por essa espera, uma compensação em dinheiro. Finalmente pude empreender a viagem para o lugar do meu destino.

Num vapor costeiro, eu cheguei primeiramente em Desterro, (hoje Florianópolis) capital da Província de Santa Catarina onde fui recebido pelo Sr. Todeschini, um austríaco, diretor da Colônia Teresópolis que dali distava um dia de viagem para o interior, e o qual me induziu a aceitar, provisoriamente, a direção da Comunidade Evangélica dessa mesma Colônia, em orfandade religiosa, o que o Presidente da Província teve que referendar, de vez que eu viera destinado para Brusque.

Assim, eu servi à Comunidade de Teresópolis e à Comunidade vizinha da Colônia Isabel até a chegada do novo pastor.

O pastor Wagner dirigiu as Comunidades, até que foi chamado ao Rio. Também ele procedia da Missionária da Basiléia.

Demorou até começo de fevereiro do ano seguinte a chegada do novo pastor, também um basiliense, Cristovam Tischhauser, mais tarde professor de Teologia na Casa Missionária Pus-me, então, a caminho da minha já impaciente Comunidade de Itajaí-Brusque que me reclamava insistentemente.

Depois de quatro dias cavalgando uma mula, sozinho, ali cheguei de surpresa, sem cantos nem toques de sinos de recepção pública e me apresentei ao Diretor da Colônia, e Barão von Schneéburg um antigo oficial austríaco.

O governo não havia providenciado uma casa paroquial. O diretor havia ocupado a casa prevista para a finalidade durante o tempo em que eu me vira obrigado a manter-me afastado da Colônia. O ativo secretário da Direção, Max von Burowski ofereceu-me, porém, um quarto numa espaçosa casa de solteiro, para meu uso até que eu me transferisse para a casinha que eu construísse no lote que adquiri, muito barato, do governo, e a qual seria paga pela Direção da Colônia em compensação pelos aluguéis que não dispendia com a minha morada.

Deve-se ainda notar que os meus vencimentos, por ano, pelo câmbio americano, importavam mais o menos em 400 dólares. Isso era muito pouco em comparação com os altos preços para os gastos de primeira necessidade, excluindo-se os gêneros alimentícios. Logo depois da minha chegada, eu indaguei a respeito do local para o Serviço Divino da Comunidade Evangélica. Foi-me mostrado um compartimento no antigo, primitivo e tosco rancho de recepção de imigrantes. As paredes do compartimento eram de barro e a cobertura de folhas de palmito. No chão de terra batida, sem assoalho, haviam fincado estacas sobre as quais tabuas serviam de bancos.

Uma mesa grosseira, tendo um acréscimo em forma de tribuna, era a combinação de altar e púlpito.

Os católicos tinham uma capela, embora construída de forma primitiva, mas muito mais digna. Não deveria reinar um espírito muito religioso entre os evangélicos, pois, do contrário, eles teriam já protestado contra local tão indigno do Serviço Divino.

Assim, apesar da minha pouca experiência nas funções, tocou-me a tarefa de fazer a Comunidade volver ao seu fervor religioso.

Era preciso recomeçar tudo quanto se referia a escola e à Igreja.

A colônia existia há cerca de cinco anos. Durante esse tempo, a Comunidade que contava umas 80 famílias, era visitada, de duas a quatro vezes por anos, pelo pastor da vizinha Colônia Blumenau. A Comunidade foi crescendo pouco a pouco, pela vinda de novos imigrantes, até que atingiu 220 famílias, na maioria de Pomeranos. Os primeiros imigrantes eram de Schleswig-Holstein, Birkenfeld (Oldenburg) e badenses. Como o governo estipendiava o pastor, os membros da Comunidade tinham que concorrer apenas com as coletas nos cultos divinos. Por isso, podiam perfeitamente tomar a si a construção de um templo condigno. Tocou a mim despertar os brios da Comunidade nesse sentido. Juntamente com um auxílio do governo, eles reuniram o dinheiro necessário para construir uma igreja digna, embora não suntuosa.

O principal ornamento do altar dessa igreja era uma cópia do quadro “A descida da Cruz”, de Rubens, doado pela imortal rainha da Rússia. O harmônio foi doação da principal sociedade de Stuttgart, da Fundação Gustavo Adolfo. Essa igreja, depois que a Comunidade construiu um novo templo, passou a servir como escola por alguns anos.

Antes que eu prossiga falando em Comunidade e na minha missão, devo referir-me à constituição de minha família.

Durante quatro anos, eu permaneci solteiro e cuidei dos trabalhos caseiros como pude, na minha pequena mas cômoda habitação. A Colônia já possuía um hotel de que era proprietário o amável Senhor Krieger. Ali eu almoçava. Para o café da manhã e a ceia, eu mesmo me arranjava. Mas frequentemente, o secretário Von Borowski, que entretanto, tinha se casado, convidava-me para a ceia.

Ele continuou sendo, por muitos anos adiante, meu vizinho leal.

Para uma família, a minha morada era muito pequena. Por isso, mandei construir mais dois cômodos e uma cozinha separada da casa, conforme o costume brasileiro.

(Continua)

Casa de Brusque