Viagem do presidente da Província ao rio ltajahy

De Sala Virtual Brusque
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VIAGEM DO PRESIDENTE DA PROVINCIA AO RIO ITAJAHY

Transcrição obedecendo a ortografia original.

Era o alvorecer do dia 24 de julho. O céu poético de Santa Catarina achava-se nublado e o mar se movia fortemente, soprando por uma viração fresca do sul. Tudo anunciava um dia feio. Do cais partiam escaleres para bordo da “Belmonte”, que se movia elegante vaidosa, como uma franceza, e deixava se desprenderem de seu tubo densas espirais de fumo, que levadas pelo vento se transformavam em figuras extravagantes e se confundiam com as nuvens. Um dos escaleres trazia a seu bordo S. Excia. o Sr. Presidente e algumas outras pessoas que chegaram depois de se haverem embarcado cerca de sessenta colonos.

Pouco depois já se via a linda esteira espumosa que ficava após a linha que sulcava o navio e gradual e insensivelmente o céu se mostrou lindo e azul, e o sol risonho da America do Sul dardejou seus raios quentes sobre a linda Ilha de Santa Catarina.

Qual era o destino da “Belmonte” com os colonos que seguiam em companhia de S. Excia, do Sr. Capitão do Porto, do Sr. Major Alvim, do Sr. Barão de Schnéeburg e de varias outras pessoas gradas? Talvez que perfeitamente o saibais!!!

Era para uma sublime romagem que nós partiamos. O destino era para Itajahy. Sempre com as montanhas a vista ora altivas e toucadas de alvacenta neblina, ora quase a lamberem as verdes aguas do oceano, chegamos à barra daquele rio, que é sem duvida muito de temer-se, porque alem de sua estreiteza, ocorre que do lado direito de quem entra, há um banco de areia, da esquerda de uma laje perigosissima; é sobretudo perigosa para os grandes navios porque tem a forma de um verdadeiro S. A principio, duvidas se levantaram se a “Belmonte” poderia ou não franquear a barra, opiniões apareceram duvidosas, mas o pratico da barra que nos veio ao encontro, apenas exigiu que o navio governasse bem, o que se lhe asseverou.

Com efeito, entramos, admirando a cada passo como podia um navio tão comprido obedecer tão depressa a vontade do leme.

Eis-nos em frente à pequena vila de Itajahy, que fica por detras da longa ponta de areia que termina na barra.

Demoramo-nos algum tempo e o Sr. Major Alvim foi a terra dar providencias afim de que se preparasse o mister para hospedagem de S. Excia.; entretanto seguiu a “Belmonte” com S. Excia. para a barra do Itajahy-Mirim, onde estava situado um armazem proprio para pouso provisorio dos colonos que muito satisfeitos, quer pelo bom agasalho de S. Excia. quer pela bondade com que o comandante do vapor e seus oficiais tratavam os seus filhinhos, a cada passo davam graças a Deus por terem seguido destino para o Brasil. Ai descarregou-se a bagagem e desembarcaram os colonos que seguiriam para o local da nova colônia.

Foi naquele sitio lindo que houve lugar um dos interessantes episódios da viagem O sr. Barão de Schnéeburg, diretor da colônia que ia ser fundada, pediu a S. Excia. para por o nome de Colônia Brusque — visto ter o Sr. Ministro mandado dizer ao Sr. Presidente para por o nome que lhe aprouvesse S. Excia. recusou-se a isso; e enquanto esse dialogo tinha lugar na Camara, os oficiais da “Belmonte”, o Sr. capitão do Porto e outras pessoas combinavam entre si para pedirem o mesmo ao Sr. Presidente, que de novo não quis aceitar, visto como ele era o fundador. Eram quatro horas da tarde; foi servido o jantar, e como era natural, alem do bom apetite com que se achavam todos (e eu que o diga), havia uma alegria geral. Houve um dos oficiais que lembrou-se de requerer que fosse ali a cerimonia do batismo da nova colônia, para o que o Dr. Caminhoá foi nomeado orador. Apareceu uma garrafa de bom vinho “Constanza”, que talvez por escondida demais, não tinha sido ainda vítima do bom gosto. Aquele Sr. proferiu pouco mais ou menos a seguinte alocução:

“Senhores. A ‘Belmonte’ parece que foi fadada para comissões da mais alta importância. Alem de ser ela bem preparada para os trabalhos de guerra para defender a Patria, no curto espaço de dois anos tem sido sempre testemunha de cenas de entusiasmo. Ha poucos meses ela fez parte da esquadra que acompanhou Suas Majestades Imperiais ao Norte,e agora é portadora de um nucleo de felicidade para o nosso abençoado Brasil. O acto que ocupa nossas atenções é do mais subido alcance para o brasileiro que compreende verdadeiramente as necessidades do seu país. A colonização do Brasil deve ser uma palavra sacrossanta. Eu, que sou filho do Norte, onde desgraçadamente ainda corre em grande escala o suor do africano escravo para regar a planta que, longe de medrar, definha pele calor das quentes bagas desprendidas dos olhos daqueles que embora maquinalmente movem os braços, sua cabeça e seu coração estão sempre transportados para as quentes areias e para as palmeiras dos desertos africanos, bendigo sempre aqueles que trocam o efeito do azorrague pelo trabalho livre do colono europeu. Bendigo ainda mais aqueles que escolhem alemães para povoar nossas matas, para substituirem as tabas dos selvagens pelas cidades florescentes povoadas por homens que sabem verdadeiramente apreciar o lar domestico e apezar das necessidades que sofrem, sabem entoar um cântico de devoção a Deus pela prosperidade do torrão em que nascerão seus filhos.

Se, pois merece tanto aquele que não descura dos pequenos interesses locais e cujas vistas tem alcance mais amplo, se o fundador da colônia merece o nome bem cabido de benemerito, o Sr. Araujo Brusque é um deles. Permita-me S. Excia., com quem tenho a honra de há mais tempo entreter amizade, que lhe diga que nós desejamos, e que mesmo exigimos de S. Excia. que a nova colônia que será agora fundada, se chame “Colônia Brusque”. Bem sei que já foi recusado ao Sr. Barão de Schnéeburg este pedido, talvez por ser S. Excia. por demais escrupuloso; mas desaparecerão imediatamente esses escrupulos, quando V. Excia. se lembrar que o nome BRUSQUE já não pertence mais a V. Excia., porque o nome do homem publico pertence ao seu país, e porque o nome BRUSQUE pertence aos seus filhos, a familia de V. Excia. O pais e os descendentes de V. Excia. terão orgulho um dia quando com o correr dos tempos progredir esta colônia, que sempre que fôr pronunciada seu nome, despertará mais viva a lembrança de seu fundador. E tanto mais obre e grandioso o país quanto maior numero de homens notaveis se acham escritos nas paginas de sua história”.

Seguiu-se depois um “à saúde” pela prosperidade da colônia Brusque e de seu fundador. S. Excia. esquivou-se ainda. Pedimos-lhe então que nomeasse outra pessoa para dar o nome e o Sr. Major Alvim foi encarregado, acedendo aos nossos bons desejos.

(Esta notícia, até aqui, foi publicada em O PROGRESSISTA, do Desterro, de 2 de Agosto de 1860. A parte que se segue foi publicada em O ARGOS, de 7 do referido mês).

Voltamos depois para a villa de Itajahy onde S. Excia. pernoitou em casa de particular, muito cavalheiro.

A vila é lindinha, mas é bastante pequena e pouco populosa; mas quando a noite a lua, como uma sultana vaidosa, se mirava no espelho cristalino do Itajahy ela tornava-se como uma camponesa pequena e singela em seu trajar. Ainda mais, fazia sobressair a poesia que poderia inspirar qualquer coração duro, em sons melodiosos de uma flauta quebrando a mudez da noite e semelhante o gorgear triste do sabiá pousado sobre os leques das palmeiras americanas.

Na seguinte manhã fomos com S. Excia. visitar os colonos recem-vindos, que nos receberam com o maior entusiasmo. A oficialidade da “Belmonte” com o Sr. Barão de Schnéeburg montaram a cavalo e durante o transito admiravamos quer a beleza vegetativa, quer as pequenas, quer as magnificas obras de Deus. Assim admiramos os tipos dos tres reinos — a planta, o mineral e a mulher. Houve corridas: cada um queria mostrar que o ginete que cavalgava era um Marengo ou um Rocinante. De volta, S. Excia. resolveu fazer uma viagem até a colônia Blumenau. De feito, seguimos no dia imediato. O rio é lindissimo e bastante fundo para poder dar nado a qualquer navio do calado da “Belmonte” ou mesmo de maior calado; suas margens muito populadas. Alem de uma variada e florida vegetação, um numero extraordinário de colonos belgas e alemães tem cultivado bastante extensão. De espaço em espaço ouvia-se o cantar das arapongas e de outras aves cujo canto, semelha-se bem a uma hênia da tapuia que viu seu marido sem seus manitos lançados a fogueira e que ela perdeu para sempre. Ora flechais extensissimos com suas plumas soberbas agitando-se ao sopro da viração que encrespava a face espelhada do rio. Ora os timbós emaranhados e floridos, que tanto embelezam nossas matas virgens. Chegamos até um lugar denominado Luiz Alves, alem do qual o pratico se arreciou levar o navio. Dai seguimos em escaleres. Durante o trajeto S. Excia. foi sempre cumprimentado por “hurrahs” de todos os lados. Tiros por toda a parte. Continuamos na seguinte manhã para a colônia Blumenau, antes do que chegamos a casa de um fazendeiro abastado, o Sr. Flôres, que igualmente ofereceu-nos seus prestimos e obsequiou-nos.

Continuamos nossa viagem, sempre encontrando pela proa um monte obscuro e antipático, apos o qual se nos dizia estar a colônia para onde iamos. Finalmente, anoiteceu e fomos obrigados a chegar a casa de um alemão, velho colono que nos obsequiou muito. Sentimos não saber seu cognome; o primeiro nome é Frederico. Houve a noite um belo jogo de palavras por causa das camas que se faziam por toda parte. S. Excia. se entreteve com o comandante e os oficiais em fazerem barracas para os marinheiros dormirem, mas eles olhavam talvez mais atenciosamente para o alambique de onde saia um aroma que os inebriava. Na seguinte manhã seguimos para a colônia Blumenau, aonde chegamos as 8 horas. O apetite foi imenso. Houve até quem se julgasse sofrendo de cancros do estomago.

Fomos recebidos por uma comissão. Passamos ai belamente um dia, durante o qual S. Excia. ocupou-se em informar-se acerca dos negocios da colônia e em visita-la. O Sr. Dr. Blumenau é cavalheiro e sobremaneira digno da estima dos brasileiros; porque apesar de milhares de dificuldades com que tem lutado tem sempre e constantemente feito progredir a colônia, que apesar de não apresentar a exterioridade de muito adiantamento material, contudo exporta já consideravel quantidade de generos. Por toda parte ouvimos historia de combates de colonos contra os bugres e cada um novo sujeito daqueles era um novo Caramurú…

Apreciamos sobremodo o bom professor da colônia, que, procedendo exames aos discipulos, nada deixou a desejar-se. O pobre doutor teve que sustentar tres teses: uma sobre febre amarela, outra sobre homeopatia e outra sobre filologia que interessaram muito aos circunstantes, mas ele concluiu que não perdoava aos alemães terem mulheres do gênero neutro “das Frau”. Deus permita que não continuem fatos de morte dos pobres americanos selvagens. Felizmente hoje acham-se distribuidos destacamentos. Chegados que fomos a bordo, tivemos a infausta noticia de que haviam naufragado em uma canoa 4 pobres marinheiros que haviam ido para terra com licença; e depois de haverem comprado cana, melaço, etc. atravessaram o rio, que por muito caudaloso, levou os pobres, que por falta de prática de andarem em canoas, talvez tivessem perdido o equilibrio. Uma mulher deu a noticia aos oficiais quê procuravam os infelizes.

Voltamos 24 horas depois, indo S. Excia. visitar a enseada de Porto Belo, principalmente a Caixa d'aço, que tinha tanto aço quanto ouro tenho eu na algibeira.

Aqui chegamos com quatro horas e meia de viagem, abatendo-se 10 minutos que gastamos com a visita a enseada.

Deus proteja a colônia Brusque, como as demais... e permita Elle que as provincias do Norte possam um dia, como as do Sul, curadas da gangrena que lhes inocula a escravidão africana, contar centenares de colônias e ver a sua vasta superficie de matas virgens, as margens de seus rios gigantes, cobertas de florescentes cidades.

Dr. Joaquim M. Caminhoá

Médico da Armada e Botânico.

Casa de Brusque