Giralda Seyferth - De Bauer a Colono

De Sala Virtual Brusque
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  • Giralda Seyferth

Os imigrantes alemães que chegaram ao vale do Itajai-mirim a partir de meados do século passado para, como colonos, povoarem esta região, precisaram se adaptar às novas condições impostas por um meio ambiente inteiramente diferente do seu país de origem. Estes imigrantes, na sua grande maioria, eram camponeses, o que significava que continuariam no Brasil a realizar o mesmo tipo de atividade que haviam exercido na Alemanha o cultivo da terra. Não puderam, contudo, utilizar aqui os seus métodos tradicionais de cultivo, nem os cereais que habitualmente plantavam na sua terra natal, ou mesmo sua alimentação cotidiana. enfim, precisaram modificar profundamente o seu modo de vida. As circunstâncias que transformaram o camponês (Bauer) alemão em colono foram diversas, e muitas as dificuldades enfrentadas na sua adaptação a uma região despovoada, de clima sub-tropical e ainda coberta de floresta virgem. Pelo menos quatro aspectos devem ser apontados como os mais significativos: 1) os problemas gerados pela desorganização do sistema de colonização; 2) a adaptação aos novos métodos de cultivar a terra; 3) a adaptação a um novo tipo de alimentação e 4) os problemas provocados pelas doenças, algumas delas desconhecidas pelos imigrantes. Os relatórios dos diretores da antiga colônia Brusque - especialmente os do Barão von Scneéburg, prolixos e minuciosos - além de alguns depoimentos prestados por velhos colonos, são as melhores fontes de informação acerca do assunto aqui abordado.

O primeiro aspecto está diretamente ligado à administração da colônia: Brusque era uma colônia oficial, portanto subordinada ao governo provincial de Santa Catarina. Os problemas mais sérios que os imigrantes recém estabe1ecidos enfrentaram, dependiam de soluções que não podiam ser dadas pela administração local e cuja responsabilidade cabia a uma politica de colonização improvisada e com falta de verbas crônica. Sob este prisma, os sucessivos relatórios dos diretores são significativos especialmente nas partes em que solicitam providências para solucionar as dificuldades. Eis algumas delas, enfrentadas em conjunto pelos imigrantes e a administração:

A demarcação dos lotes não havia sido realizada adequadamente e com antecedência. Muitos imigrantes tiveram de esperar pelas suas terras durante muitos meses no galpão a eles destinado na sede da colônia. O Relatório de 1864, por exemplo, assinala as dificuldades na demarcação dos lotes e linhas coloniais dentro da floresta - pela segunda vez - já que os marcos deixados pelo agrimensor na primeira medição não foram mais encontrados. Isto, pelo menos, sugere a existência de mais de uma demarcação de terras, possivelmente motivada pela desorganização do serviço. Ainda neste mesmo re1atório, o diretor reclama do transporte dos pertences dos imigrantes até suas terras: como a administração não tinha animais de carga suficientes, os novos colonos ficavam muito tempo esperando ou dependiam de aproveitadores que alugavam animais a preços exorbitantes.

Outros problemas, que parecem ter sido crônicos, são constantemente assinalados: a falta de recursos para abertura e conservação de picadas, pontes e caminhos coloniais, para a instalação de escolas, de uma farmácia, de capelas, para pagamento de professores, médicos e auxiliares da administração. Além disso, os subsidios para pagar os colonos até que pudessem viver apenas do seu trabalho agrícola eram insuficientes, a remuneração pelos serviços públicos prestados pelos colonos era precária e não havia recursos para fazer frente aos estragos causados pelas constantes enchentes do rio Itajaí-mirim. E, entre outras reinvindicações menores, tanto os relatórios como um abaixo-assinado (contendo 182 assinaturas de colonos), pedem uma comunicação por terra com a vila de Itajai. Temos aí a dimensão exata das provações que os camponeses alemães vieram enfrentar durante os primeiros anos de colonização. Sem recursos, obrigados a esperar meses por um pedaço de terra que afinal iam pagar, recebendo péssima remuneração pelo duro trabalho de abrir caminhos na floresta, sem médico ou hospital e dependendo de uma farmácia precária para fazer frente a doenças desconhecidas - o primeiro contato com o meio brasileiro não foi muito favorável. Eles foram se transformando em colonos da maneira mais dura.

Se, por um 1ado, a burocracia governamental e a falta de verbas para a colonização constituiam um problema grave, por outro lado, a organização do trabalho agrícola sob novas bases foi o teste mais difícil e também o mais problemático, uma vez que os imigrantes alemães adotaram uma técnica de cultivo das mais predatórias que existem: a coivara (ou derrubada-queimada), comum no meio rural brasileiro que, com propriedade, foi chamada pelos alemães de Raubbau (agricultura de rapina). A adequação a este método de cultivar a terra foi provavelmente inevitável em face da floresta. O insucesso do cultivo de cereais europeus (como cevada, trigo, centeio e aveia), por sua vez, determinou a utilização de plantas nativas como o aipim, a batata-doce, a cana de açucar, etc. Os relatórios do Barão von Schneéburg são elucidativos a este respeito: na colônia Brusque existiam poucos cavalos e não havia arados; as sementes de trigo, cânhamo e centeio apodreciam no solo ou eram destruidas pelos pássaros e insetos; a queima do mato para preparar a terra paral o plantio torno-se necessária e a enxada e o machado passaram a ser os principais utensílios agrícolas (quando na Alemanha se utilizavam mais do arado de tração animal). O trabalho agrícola foi árduo e pouco compensador nesse início de colonização, pois além das dificuldades de adaptação às novas condições surgiram outros problemas não menos grave. Von Schneéburg faz constantes referências às enchentes (solicitando providências das autoridades no sentido de liberação de verbas para limpar e retificar ribeirões a fim de diminuir o transbordamento), às geadas, a pragas de ratos que passam os rios e ribeirões transmigrando do sul para o norte, aos insetos, especialmente as lagartas, a nuvens de pássaros pretos, etc. - tudo contribuindo para destruir as plantações. Resumindo, o habitat sub-tropical não permitiu o cultivo da terra nos moldes conhecidos pelos alemães no seu país de origem. Houve não só o fracasso com as plantações de cereais e da batata conhecida com “inglesa“, como também a floresta densa e a técnica da coivara impediam a utilização racional do arado. Pode ser acrescentada, ainda, a dificuldade adicional de obter animais de tração - poucos e trazidos de Lages por preços excessivamente altos.

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