Entrevista José Tamasia

De Sala Virtual Brusque
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  • Dados do projeto

Nome do projeto: Bairro & Memória: Etapa Bairro São João

Coordenador do projeto: Marlus Niebuhr

Instituição patrocinadora: FEBE (atualmente Unifebe)

Entrevistadoras e transcrição: Profesoras da Escola Municipal Adelina Zirke.

Data da Entrevista: 20 de Novembro de 1998.

  • Dados do entrevistado

Nome completo: José Tamasia (Nono Pino) - 19.03.1908 - idade 90 anos / Bárbara Tamasia.

O Sr. José nasceu em Botuverá, em 19 de março de 1908; casou-se aos 22 nos, onde deste casamento nasceram 11 filhos. Conta que se mudou para a localidade de Cedro Grande, pois seu irmão que já residia neste lugar disse que a terra era muito boa para o plantio de diversas hortaliças e também ficava mais perto do centro da cidade. Durante toda a sua vida, trabalhou como lavrador, plantando mandioca para a fabricação de farinha que era sua única fonte de renda. Porém, para sua sobrevivência também plantava milho, feijão, batata-doce, taiá, cará.... As coisas que compravam era querosene e sal. O trigo só em época de Natal, sendo que o pagamento era feito anualmente na colheita da safra. Diante de tantas dificuldades, aos 34 anos acabou ficando viúvo, sua esposa teve câncer. Por ter os filhos ainda muito pequenos, sentiu-se com grande responsabilidade e por isso retornou a cidade natal [Botuverá] em busca de uma nova companheira. Conversou com o pai da moça, cujo nome era Bárbara Smanioto, que em seguida já trouxe para sua localidade, onde em 1961 se casaram, tendo desta união mais dois filhos, que se chamam Carlos Alberto e José Aristides.

Sobre a infância de Dona Bárbara.

Quando eu era pequena brincava do lado de casa com barro, onde eu e minhas irmãs usávamos potinhos e talheres. Tínhamos galinhas soltas no terreiro. As galinhas só comiam milho a noite, durante o dia ciscavam aos redores da casa. Freqüentei a escola somente seis meses. No meu tempo já pagávamos para estudar. Éramos doze irmãs, mas eu, Iolanda, Justina e Laura que éramos as mais novas, revezavam indo apenas uma por dia para pagar uma só mensalidade. Quando aprendi a escrever o meu nome e a fazer algumas contas saí da escola. Boneca eu nunca tive e muito menos carinho e atenção dos meus pais [os pais não tinham tempo]. Ganhava roupas mais ou menos de seis em seis meses e sapatos só usei na minha primeira comunhão, onde peguei emprestado dos vizinhos. As dificuldades eram tantas e para se ter uma idéia dessas necessidades, uma vez ganhei um chicletes, que este durou dias, pois a noite guardava no sarrafo da parede ao lado da minha cama. Quando estava ressecado e sem gosto, colocava num copo com água quente e açúcar para voltar a ter gosto [risos]. Lembro-me da minha irmã Justina que já era casada quando veio para Brusque pela primeira vez e comprou um picolé. Gostou tanto que resolveu levar um para o seu marido. Comprou e colocou no bolso do vestido, porém, quando sentiu que estava derretendo quis voltar para reclamar pensando que estava estragado [gargalhadas].

Sobre a infância do Sr. José Tamasia

Conta que era muito arteiro e de vez em quando apanhava do seu pai. Corria até três metros, olhava para trás e ria. O pai usava um chicote do boi com mais ou menos dois metros de comprimento que acertava de longe [risos]. Nunca fui à escola, não sei ler nem escrever, era muito longe. Mas o dinheiro se botar na frente conheço muito bem [expressão de alegria]. Disse que seu cunhado, Hercílio, depois que formou família começou a ensinar os seus filhos e mais tarde os netos também. Tinha um rancho com carteira que era o lugar apropriado para isso. Levava sempre com ele uma varinha junto e em qualquer parte do corpo batiam, menos na cabeça. O castigo era ficar sobre 6 pedrinhas. Sempre que não sabiam levavam castigos. Foi um tempo muito bom para se viver. A terra era mais fértil e produzia mais, hoje não dá mais nada [ainda trabalhava na roça]. Já está muito explorada.

Sobre os rios

Naquela época o rio tinha um grande volume de água. Era limpinho, pegávamos muitos peixes e tomávamos banho. Era útil para o transporte da madeira. Nós cortávamos a madeira a uma distância de uns 4 km longe do rio. Daí as toras eram puxadas com zorra de boi e carroça até a beira do rio. Em seguida, amarravam-se várias dessas toras com cipós e colocava-se nas águas. Até quatro pessoas sentavam em cima, usando um remo apenas para se direcionar, pois a correnteza levava. Em menos de um dia a madeira chegava na localidade de Águas Claras, em frente as famílias Colzani, perto do ponto de ônibus e do Sr. Dórico Dada. Procuravam um lugar onde tinha menos água ou contra as margens para encostar e parar. Tiravam a madeira da água, tudo a muque e encaminhavam para serrarias e o preço dela na época era muito baixo, mal dava para o sal da sopa. As madeiras com as quais trabalhavam eram: peroba, canela e guarapari. Cortavam tudo com o machado. Nono Pino disse que um irmão dele com 18 anos caiu no rio e morreu afogado de tanta água que tinha naquela época, nos rios. Hoje é uma valeta, comparando a anos atrás.

Sobre a assistência médica

Médicos nós nem víamos. Tomávamos a pípula XXI quando sentíamos dores, febre e até gripes. Acho que esta pílula ainda existe [risos]. Se a pílula não fazia efeito, então tínhamos que esperar para morrer. Dona Bárbara conta que perdeu um irmão aos 18 anos de idade com pneumonia, a pílula não fez efeito. Usavam também chás. Seu irmão Hercílio era um verdadeiro médico, naquela comunidade. As pessoas procuravam constantemente esta pessoa para receber orientações para saber que tipos de ervas usariam para aliviar dores. No caso de picada de cobras, ele também fazia o chá contra o veneno, mas primeiramente encostava-se um pau com brasa ao redor da picada para pegar bem o calor daí o veneno não se espalharia. A cobra coral era considerada a mais perigosa entre as demais e morria muita gente com picadas de cobras.

Sobre as festas

Casamento:

Segundo Nono Pino, o casamento realizava-se aos sábados de manhã e a festa era feita na casa do sogro. Tinha baile animado por um ou mais gaiteiros. A noiva ia de carroça, mas não enfeitavam nem a carroça e nem a igreja. O vestido poderia ser de qualquer modelo, mas de cor branca e como buquê usavam uma rosa.

Natal:

A mãe dizia que o Natal estava chegando, então ficavam contentes pois sabiam que iriam ganhar doces especiais e comer uma comidinha diferente, como por exemplo pão de trigo, arroz, carne... Nem esperávamos presentes, pois nunca ganhamos nada.

Páscoa:

Na Páscoa a alegria era imensa porque ganhávamos ovos pintados de vermelho (cebolinha que dá nas vargens). Os pais arrancavam a batata dessa cebolinha e colocavam ferver juntamente com os ovos. Daí fazíamos um ninho bem bonito [risos]...e eles colocavam três ou quatro ovos de cada um. Ficavam lindos, todos vermelhinhos. Era uma festa quando achávamos o ninho. Amendoim na casquinha nunca ganhava e muito menos chocolates, mas era tão bonito [...] ninguém brigava e todos se alegravam.

Sobre o Namoro

Dona Bárbara disse que o namoro era mais difícil. Nas domingueiras eu ia com meu irmão mais velho, daí quando ele me convidava para ir embora, vinha rapidinho porque ele mandava em mim. Nas domingueiras, não podia negar marca porque senão dava brigas e acabava terminando a domingueira. Segundo o Nono Pino, o beijo na boca já podia dar claro, se ela fosse mansa [risos]. Namorava junto com a família, nada as escondidas e só namorávamos aos sábados e domingos. Tive duas namoradas e era bem namorador, principalmente quando elas ficavam mansinhas. Era muito boa aquela época.

Sobre os enterros

Quando morria alguém velavam em casa e em seguida levavam para a igreja. Não tinha missa, apenas rezavam o terço e qualquer um ajudava no sepultamento. O caixão era feito com qualquer tipo de madeira. De acordo com as condições da família, forravam com pano preto para adultos e com pano cor-de-rosa para as crianças e se não tinham condições apenas davam uma lixada boa.

Sobre os nascimentos

As mulheres sofriam muito. Os filhos nasciam todos em casa. Conta Dona Bárbara que teve os dois filhos e faziam da seguinte forma: primeiramente umedeciam um pano na água quente e colocavam bem na frente daí, o nenê nascia com maior facilidade. Disse que seu irmão que hoje reside na travessa de Dom Joaquim, fez 14 vezes o parto de sua esposa. Não tinha médico no caso de precisar de uma cesariana e a mulher quando entrava em trabalho de parto chegava a ficar de 3 a 4 dias com cólicas. Vivo ou morto tinha que nascer de parto normal. Durante o trabalho de parto, os outros filhos saíam, mas já diziam a eles que era a parteira que trazia o neném e quando a barriga começava a crescer, a mãe dizia que tinha comido muita polenta.

Sobre a época da guerra

Quando escurecia eles não saíam de casa e a família do Nono Marioto [pai de Dona Bárbara] se escondia no mato. Escutavam no rádio “Programa Repórter Esso” que a guerra ia começar [pensavam que era aqui]. Também não falavam nem italiano e nem alemão, porque dizia ter espiões, então, o medo era muito grande.

Referências