Entrevista Claudemir Aparecido Lopes - Luiz Gianesini

De Sala Virtual Brusque
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Claudemir Aparecido Lopes.

O entrevistado da semana é Mestre e Pró-Reitor de Ensino de Graduação -Centro Universitário de Brusque - Unifebe - Claudemir Aparecido Lopes, nascido em Campos Novos Paulista, SP em 1968, chegando em Brusque em 1992; filho de Benedito Araújo Lopes e de Marciana Bueno Lopes; casado em 1996 com Roseli Aparecida da Silva Lopes com a qual tem um filho: Gabriel da Silva Lopes (14 anos).Formado em Filosofia pela Febe em 1995; Pós-graduado em Filosofia pela Febe em 1999; Pós-graduado em Educação pela UDESC em 2002; Mestre em Filosofia em 2006; Docente nos cursos de Contábeis, Administração, Pedagogia e Direito da Unifebe.

Como surgiu Brusque em sua trajetória?

Vim estudar no seminário PIME em 1992. pretendia ser padre missionário.

Quais as memórias de criança?

Tempo bom. Nasci e fui criado no sítio, no interior de Campos Novos Paulista/SP. Trabalhava na roça com a família. Éramos agricultores, extorquia as vaquinhas roubando o leite delas. Criávamos porcos, só para matar os coitadinhos. Minha mãe guardava a gordura em latas grandes por longos tempos.Fazia festa quando a família resolvia matar um coitado de um novilho, que sempre pensou que eu amigo dos bichinhos, porque acompanhava o crescimento, dava facinas, etc. rs.Eu vivia caçando, com espingarda, matando os pobrezinhos dos passarinhos e pescando, com outros imãos mais novos. As reuniões em família e a vida do interior é algo para não se esquecer. Sem regalias,com muitas dificuldasdes, mas havia muito amor, paz e felicidade. Desde criança queria ser padre, até que um dia disse ao meu pai que ia para o seminário, tinha 10 anos, quase apanhei. Depois quando tinha 18 anos fui para o seminário em Assis, onde fiquei 1 ano e depois mais 6 meses em Marília - no seminário filosófico.

Sonho de criança?

Ser missionário e ajudar as pessoas.

Como foi sua juventude?

Muito boa. Trabalhando duro, desde os 12 anos e estudando. Fazia cursos que conseguia, apesar das responsabilidades na roça. Depois fui trabalhar de servente de predeiro, até os 18 anos, quando já era pedreiro, havia ascendido na carreira, rs. Fiz curso de eletricista, e a primeira casa que consegui fazer a instalação elétrica não recebi um centavo porque bati no carro do dono da casa e tive que pagar o prejuízo, coisa de adolescente. Era extremamente tímido, por isso tive poucas namoradas enquanto adolescente, mas depois no seminário, superei a timidez com trabalhos psicológicos.

Pessoas que o influenciaram?

Meus pais, sem dúvida. Amigos do Tomás Coelho e os padres do PIME, pela intervenção em minha vida, em especial Dom José Negri.

Como conheceu a Roseli?

conheci minha esposa quando eu era estudante de Filosofia e ela também veio fazer o mesmo curso na Febe no ano de 1994,no período matutino. Participamos juntos do Centro Acadêmico do curso na época, o que ajudou em nossa aproximação. Depois descobri que ela trabalhava na Febe no período vespertino e noturno.

Grandes professores?

professor de matemática, José Francisco (Campos Novos): Pe. Leo (graduação), Dom José (seminário) e professor Luiz Henrique Dutra (mestrado - UFSC);

Formação escolar?

Formado em Filosofia pela Febe em 1995; Pós-graduado em Filosofia pela Febe em 1999; Pós-graduado em Educação pela UDESC em 2002; Mestre em Filosofia em 2006;

Quais as matérias em que se dava bem e quais a que detestava?

Sem me dei muito bem nas matérias exatas. Nunca gostei muito de Língua Portuguesa. Depois precisei gostar, quando resolvi ser padre e depois professor.

Trajetória na Educação?

Iniciei na Educação em 1995 em Brusque, nas escolas públicas municipais e estaduais. Na Febe Iniciei em 1999; em 1999 aprovei no concurso como professor titular de Filosofia na rede pública estadual, com lotação na Escola de Educação Básica Santa Terezinha, hoje em licença sem vencimento; em 2005 comecei a coordenar o curso superior de Tecnologia em Cerâmica da Unifebe, curso em parceria com o Senai de Tijucas; em 2006 comecei a coordenação de mais dois cursos, Tecnologia em Processos Industriais - Eletromecânica e Tecnologia em Produção Têxtil, os dois em parceria com o Senai de Brusque; Em 2010 assumi a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação - cargo que ocupo até hoje. Sou docente nos cursos de Contábeis, Administraçaõ, Pedagogia e Direito da Unifebe.

Grandes nomes em Educação?

São muitos, mas cito os professores César Nunes e Gamboa, amobos da Unicamp. Grandes pesquisadores e humanistas.

Torce para algum clube?

Não torço para nenhum time, só para seleção brasileira, mas sem qualquer fanatismo.

Qual a sua opinião sobre os trotes universitários? Até aonde vai o limite do trote?

O trote tradicional não deveria nunca ter existido. É uma demonstração clara de desrespeito ao neófito e falta de sensibilidade humana, no mínimo. É interessante o ‘trote solidário’, aquele que envolve os alunos ingressantes em variadas atividades de voluntariado e de modo algum agride a dignidade de qualquer pessoa. O trote tradicional deve ser repudiado com veemência.

ENEM

O Enem caracteriza-se pela prova aplicada na última série do Ensino Médio pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao Ministério da Educação - MEC. Assim, estará garantida a entrada no Ensino Superior ao aluno que obtiver as melhores notas na prova do Enem, dentre os candidatos inscritos através desta modalidade de acesso. É uma avaliação importante já que fornece indicadores a respeito das competências e habilidades dos concluintes do ensino médio do Brasil e, além disso, pode possibilitar a entrada dos alunos com melhores notas no ensino superior. O aluno ainda poderá fazer o financiamento estudantil (FIES) para cursar qualquer curso de graduação ou ainda inscrever-se no Prouni – Programa Universidade para Todos – PROUNI, caso venha a estudar em instituição privada.

O problema do Enem é o exagero do peso dado à redação, constando 50% do peso total da prova. Pode ainda ser melhorado, mas é uma ferramenta importante usada como um dos instrumentos de avaliação da qualidade da Educação Básica no país.

Vestibular

Hoje em dia pouco utilizado, exceto nas áreas com demanda muito alta, como medicina e algumas engenharias, especialmente nas federais. Acredito que não é o melhor sistema de avaliação, já que se caracteriza por um momento estanque de avaliação e muitas vezes, não consegue aferir corretamente as competências e habilidades do candidato. Acaba onerando dos alunos e exigindo uma tarde de domingo para fazer a prova. Penso que poderão existir outras formas de avaliação mais produtivas e coerentes, assim como o Enem, ressalvada a análise que fiz acima.

Quota

A cota racial, atualmente, não deixa de ser um modelo paliativo. Tem sido usada como uma forma de acessibilidade ao ensino superior em algumas universidades públicas no Brasil àquele candidato que não teria condições pagar pelos estudos superiores. Neste momento, emergencialmente, defendo a cota social e não a racial. Infelizmente as públicas ainda são universidades de elite, daquele aluno que teve uma educação no ensino médio de maior qualidade, já que o filtro de acesso é forte às universidades públicas. Vivemos em um país com imensa desigualdade social, cultural, etc. e neste momento, há milhares de pessoas que jamais entrariam no ensino superior, exceto por algum incentivo do Estado. A defesa que por suas próprias capacidades individuais toda pessoa pode acessar o ensino superior não é real, (discurso liberal) pois se assim fosse, não teríamos apenas 12% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior no Brasil, a menos que aceitemos que os demais 88% não têm capacidade, o que é um absurdo.

Para um futuro próximo, penso que ao invés de cotas deveríamos ter uma educação básica de qualidade, (melhor qualitativa e quantitativamente), que certamente cairia por terra o sentido da existência de qualquer cota.

Algo que você apostou e não deu certo?

Quando era jovem, junto com meu pai e irmãos, por três anos consecutivos perdemos lavouras de arroz e mandioca. Foram alguns alqueires perdidos. Morávamos no interior de São Paulo, na cidade de ‘Campos Novos Paulista’, e todo investimento feito na ocasião foi direcionado às plantações, que com a seca da época (anos 80) perdemos tudo. Foi um tempo muito difícil e sofrido para toda a família. Demoramos anos para se recuperar.

Ainda, apostei na vida sacerdotal por 6 anos, período em que passei estudando em seminário católico. Não que não tenha dado certo, mas, quando me conheci melhor, descobri que isso não era o que eu queria pra minha vida. Como herança positiva ficaram a formação muito boa e as amizades que conquistei, inclusive, de quase quatro anos aqui em Brusque.

O que faria se estivesse no início da carreira e não teve coragem de fazer?

Certamente faria o mestrado e o doutorado mais cedo.

O que o Sr aplica dos grandes educadores, das aprendizagens que teve, no seu dia a dia?

Penso que acima de tudo os valores em relação ao outro humano. Todo humano tem seus direitos, não só humano, e precisam ser respeitados. Além da persistência nas investigações científicas e filosóficas.

Quais as maiores decepções e alegrias que teve?

Não me lembro de grandes decepções, mas só as cotidianas.

A alegria maior penso que é e sempre será pelo presente que ganhei em 1996, meu filho Gabriel. E no dia a dia, sempre tenho o maior presente que todos têm, que é o milagre da vida e suas vicissitudes.

Os alunos que chegam ao terceiro grau chegam preparados?

Todas as circunstâncias político-históricas que estamos vivendo contribuem para a decadência na formação da maioria dos adolescentes nos dias atuais. A educação pública, de modo geral, tem sido deficitária, (fraca infraestrutura, tais como: bibliotecas incompletas, ausência de laboratórios e de salas de informática, baixo investimento na formação, nas condições de trabalho e salariais dos docentes), as condições socioeconômicas da maioria dos alunos da educação básica aliados ao desinteresse, ao menos da maioria, pelo valor da educação, tem contribuído muito na fragilidade da formação dos jovens hoje em dia.

Assim, de modo geral, acredito que os alunos têm chegado ao terceiro grau com defasagem educacional significativa. Por essa razão a Unifebe tem oferecido curso de nivelamento em matemática, em inglês e em Língua Portuguesa desde 2010 aos seus alunos.

O Secretário de Educação do Estado encaminhará um projeto de Ensino Médio Integral a ser implantando gradativamente na rede de ensino estadual já a partir de 2012. Que reflexos resultarão ao terceiro grau?

Se forem feitos investimentos sérios na educação básica, a tendência é melhorar. No entanto, de nada adiantaria tempo integral se mantiverem as fragilidades atuais, seria um faz de conta. O estado de São Paulo fez por alguns anos, em boa parte de suas escolas, tempo integral, e veja os resultados no Enem e outros indicadores, péssimos resultados, porque não investiu no docente e no currículo de tal forma a trabalhar conhecimento científico e formação humana adequadamente. Fazer com que o aluno fique mais tempo na escola só resolve se ele realmente ficar estudando e desenvolvendo uma formação integral e não com atividades lúdicas na maior parte do tempo.

O senhor que já estudou, lecionou (e escreveu?) como avalia sua própria história pessoal de amadurecimento filosófico?

Nestes poucos anos de carreira filosófica tenho a consciência de minha ignorância em se tratando de Filosofia. Uma vida toda dedicada à filosofia seria muito pouco. A Filosofia é uma ‘droga’ e uma ‘paixão’, vicia e se sentimentaliza, mas é uma droga diferente porque não faz mal à saúde e nos torna bem mais humanos. A ignorância filosófica se revela à medida que vamos aprofundando no assunto. Quando achamos que sabemos, percebemos que nem sabemos muito bem o que é saber.

Como o senhor situa o velho problema da definição do conceito de Filosofia?

Há tantas definições de Filosofia quantos o são os filósofos. Alguém já chegou a defini-la como “uma coisa tal que sem a qual o mundo continua tal e qual”. É uma brincadeira, é claro, mas pra dizer da não exatidão de sua definição. Prefiro dizer que Filosofia é um conjunto de conhecimentos investigativos do próprio pensamento e sobre o pensamento humano.

Com suas vivências com Filosofia, o que o senhor teria a dizer para o leitor de outras formações sobre a importância da Filosofia?

A Filosofia analisa, reflete e investiga questões profundamente humanas. Faz críticas duras e impiedosas a todas as formas de tirania, seja material ou intelectual. Penso que a Filosofia é que nos faz mais sensatos que já somos, porque sempre procura pelos mais profundos pressupostos e princípios que fundamentam nossa existência e nosso ser, bem como nossas atividades cotidianas. Penso que a investigação filosófica é inerente ao ser humano, no entanto, alguns a desenvolvem e outros não. Acredito que se tivéssemos mais filosofia e menos canais de TV aberta certamente estaríamos em um Brasil bem melhor.

Pessoalmente, como é que o senhor se situa do ponto de vista político?

Politicamente sempre fui a favor das decisões políticas que garantam a justiça e a dignidade do homem. O mundo capitalista selvagem domina as mentes e também materialmente, de modo geral, o senso comum, mas é fato que o liberalismo tem revelado suas mazelas e o que tem produzido de desumanidade. Só não vê quem tem interesses ou perspectivas econômicas de obtenção de alguma vantagem. Não dá para aceitar posições que defendem o ‘mercado’ e o ‘capital’, a vida de luxo e de prazeres em um planeta onde mais de 2/3 de sua população é miserável e vive em condições não humanas.

Toda política que procura restaurar a condição humana em sua mais alta dignidade é bem vinda. Precisamos lutar contra um dos piores males do século, a corrupção ativa e passiva. É uma questão de educação acima de tudo. Sejam bem vindas as redes sociais.

Neri Merlo, pós-graduado pela Unifebe em Direito Constitucional lançou o livro “O ouro de Hitler”, é um reflexo de que esse estabelecimento de ensino está adequadamente preparado para preparar o corpo discente?

Não conheço o Senhor Neri e nem tenho interesse em conhecer um livro com um título desses.Sobre ele ter feito pós-graduação na Unifebe e escrever um livro tentando saber onde foi parar o ouro do ditador Hitler é uma questão de livrearbírtrio. É uma pena, porque há assuntos muito mais úteis a serem investigados que esse, mas cada pessoa pode publicar o que quiser, afinal estamos em uma sociedade que garante o direito de expressão. Como disse Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Nenhuma pós-graduação, mestrado e nem doutorado iria desviar o interesse de qualquer indivíduo em divulgar certos assuntos, sejam esses razoáveis ou não.

Como o senhor avalia a tão divulgada opinião de que não há legítima filosofia brasileira? De que tudo o que produzimos até agora se deve antes aos comentários - ainda que ricos e originais -, das filosofias americanas e européias?

Não tenho bem certo se realmente há uma legítima filosofia brasileira. É, do mesmo modo, difícil de falar em um saber hoje em dia que não tenha sofrido influências de outros autores estrangeiros, mesmo os norte americanos e europeus. Mas, mesmo que a maioria dos escritos filosóficos que conheço do Brasil traga em sua base as discussões de origem estrangeiras, temos sim, uma grande riqueza filosófica em nosso país. É comum ouvir que todos os problemas filosóficos já foram levantados e agora os filósofos, inclusive os europeus e americanos, só fazem é rediscuti-los tentando encontrar nuances e melhorias.

Pois o processo de filosofar é contínuo e interminável, porque o mundo tem mudado, bem como suas teorias científicas e também o próprio ser humano, logo, também sua racionalidade.

Referências

  • Jornal Em Foco. Edição de 25 de outubro de 2011.